Cotidiano. Artigo: O Poder e Influência da Religião sobre a Mulher

Mulçumana
Antes de falar sobre o poder da religião na educação e no conseqüente comportamento dos indivíduos, convém esclarecer que as religiões provêm da cultura de determinados povos.
A imposição de uma cultura sobre outra, sob o pretexto autoritário e inexplicável da supremacia cultural, faz com que certas crenças espalhem-se pelo mundo como verdades universais. Sob o manto de qualquer religião escondem-se padrões morais tidos como melhores ou superiores, e manda esta concepção que eles devam ser difundidos, mesmo que à custa da força bruta.
Os povos das Américas são um perfeito testemunho disto. Quando os europeus por aqui chegaram não encontraram nenhuma vontade da população em optar pela fé cristã. Para que isso fosse possível dizimaram boa parte desta população.
O bispo Bartolomé de las Casas, da Ordem de São Domingos, em seu livro "Brevíssimo relato da destruição das Índias", conta a história de Hatuey, chefe indígena que reuniu seu povo na ilha de Cuba, após fugir do atual Haiti. Hatuey e seu povo achavam que o deus dos espanhóis era ouro e jóias e por isso, no intuito de agradá-los, dançaram diante de uma cesta cheia destas riquezas. Ao perceber que as crueldades contra seu povo não terminavam, jogou tudo o que tinham num lago. Os espanhóis haviam chegado a Cuba em 1511, comandados por Diego Velasquez. Hatuey, que vivia fugindo, acabou sendo preso e condenado à morte na fogueira. No momento de sua execução, já amarrado ao poste para ser queimado, um padre franciscano aproximou-se para falar-lhe do Deus dos cristãos e da fé católica. Explicou-lhe o padre que se aceitasse a fé cristã iria para o céu, caso abjurasse iria para o inferno. O chefe indígena pensou e perguntou se os cristãos que ali estavam também iriam para o céu. Tendo o padre confirmado, Hatuey optou em ir para o inferno para que não viesse a estar em companhia de pessoas tão cruéis (O MUNDO, 1991, p. 13).
Mulher Hindu
Na verdade a religião não é um processo de evolução de uma determinada cultura, mas a dominação de uma pela outra. As religiões criadas servem para garantir os padrões morais exercidos pela cultura das sociedades hegemônicas. As religiões predominantes em quase todo o mundo derivam dos mitos babilônicos que, por sua vez, advêm de processos de evolução de crenças e morais sociais de um lugar específico.
O monoteísmo surgiu pela primeira vez no Egito, através do rei Akhnatoun, que adorava a um só deus: Raa ou Harakhni. O rei Akhnatoun, através de seus escritos, teve grande influência sob Moisés, o profeta de Israel, havendo mesmo uma estreita semelhança entre os escritos do Antigo Testamento e os de Akhnatoun. O Cristianismo herdou o legado do Judaísmo e o Islã construiu seus sistemas de valores religiosos nas idéias monoteístas que o precederam.




O mito de Adão e Eva, por exemplo, é partilhado pelas três religiões (EL SAADAWI, 1982, p. 129).
Qualquer religião exerce, na população que pratica a sua fé, uma forte influência no comportamento. No Irã por exemplo, regido por uma ditadura religiosa, as mulheres não podem usar batom, não podem viajar pelo país sem a companhia do marido ou do pai, nos ônibus urbanos devem se sentar nos bancos dos fundos e jamais podem entrar num carro com um homem que não seja o seu marido.
Além disso devem usar:


"(...) um manto negro, o chador, que vai até os pés e esconde os braços e o pescoço. A cabeça deve estar coberta porque, segundo os islâmicos radicais, os cabelos femininos têm um brilho que tenta os homens.
(...) Nos tribunais, a palavra de uma mulher vale menos do que a de um homem. No Irã, portanto, não existem juízas.
Os guardiães da moralidade dizem que as mulheres são desqualificadas para tal função: em sua opinião, elas são muito emotivas" (MULHERES, 1992, 40).

O Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, escrito por Maomé e atribuído pelo profeta ao próprio Deus, faz as seguintes referências à condição feminina:

Capítulo IV. Versículo 11 - "Dai aos varões o dobro do que dai às mulheres".

Capítulo IV. Versículo 38 - "Os homens são superiores às mulheres, porque Deus lhes outorgou a primazia sobre elas. Os maridos que sofrerem desobediências de suas esposas, podem castigá-las: deixá-las sós em seus leitos, e até bater nelas".

Capítulo XXIV. Versículo 59 - (...) "Não se legou ao homem calamidade alguma maior do que a mulher" (ALCORÃO apud LOI, 1988, p. 17-18).

No ano de 1280 antes de Cristo, as Leis de Manu, livro sagrado da Índia para instituições civis e religiosas, dizia:

Livro II. Regra no 213 - "Está na natureza do sexo feminino tentar corromper os homens na Terra, e por esta razão os sábios jamais se abandonam às seduções das mulheres".

Livro V. Regra no 148 - "Durante a infância, uma mulher deve depender de seu pai; durante a juventude, de seu marido; se este morrer, de seus filhos; se não tiver filhos, dos parentes mais próximos do marido e, na sua falta, dos de seu pai; se não tiver parentes paternos, do seu soberano; uma mulher não deverá nunca governar-se ao seu bel-prazer".

Regra no 154 - "Mesmo que a conduta do marido seja censurável, mesmo que este se dê a outros amores e careça de boas qualidades, deve a mulher virtuosa reverenciá-lo como a um Deus".

Regra no 156 - "Uma mulher virtuosa que deseje para si a mesma morada de felicidade de seu marido, não deve fazer nada que possa desagradá-lo, durante a sua vida ou após a sua morte".

Livro IX. Regra no 5 - "Acima de tudo, deve-se resguardar as mulheres das más inclinações, por pequenas que sejam; se as mulheres não fossem vigiadas, fariam a desgraça de duas famílias" (LEIS DE MANU apud LOI, 1988, p. 3-4).

Um código bramanista, ainda citado por Isidoro LOI, relata:

"Não há na Terra outro Deus para a mulher do que seu marido. A melhor das boas obras que ela pode fazer é agradá-lo: esta deve ser sua única devoção. Quando morrer deve também morrer".
Mulher no Egito Antigo

O reformador da religião persa, Zaratustra, dizia que a mulher "deve adorar ao homem como à divindade. Nove vezes pela manhã, de pé ante o marido, com os braços cruzados, deve perguntar-lhe: Que desejais, meu senhor, que faça?" (ZARATUSTRA apud LOI, 1988, p. 9).
Também Buda, o Iluminado, fundador do budismo, dizia que: "A mulher é má. Cada vez que se lhe apresente oportunidade, toda mulher pecará" (BUDA apud LOI, 1988, p. 9).
O teólogo alemão Martinho Lutero (1483-1546), responsável pela Reforma Protestante, dizia que: "Não há manto nem saia que pior assente à mulher ou donzela que o querer ser sábia" (LUTERO apud LOI, 1988, p. 26).
Também Henrique VIII (1491-1547), rei da Inglaterra e Chefe da Igreja Anglicana, criada por ele mesmo por desejar separar-se de Catarina de Aragão e desposar Ana Bolena, com o que o Papa não concordava, assim criava seu Estatuto: "As mulheres casadas, as crianças, os idiotas e os lunáticos não podem legar suas propriedades" (HENRIQUE VIII apud LOI, 1988, p. 26).
De uma forma geral as religiões colocam a mulher em situação de submissão, mas para não estender por demasia o presente trabalho, a análise está limitada às questões relativas à moral judaico-cristã, com base ainda nos mitos babilônicos. Desde os Mandamentos, onde consta que não se deve "desejar a mulher do próximo" e não o homem da próxima, a Bíblia esta carregada de conceitos e "pré-conceitos" sobre as mulheres. Seguem alguns exemplos, que poderiam ser mais numerosos, para ilustrar o que está sendo dito:

(Deus) "De novo perguntou ele: 'Quem te deu a conhecer que estavas nu? Comeste acaso da árvore da qual te ordenara que não comesses?' Respondeu o homem: 'A mulher que me deste por companheira foi quem me deu da árvore, e eu comi'.
E a mulher Ele disse: 'Tornarei penosa a tua gravidez, e entre penas darás à luz teus filhos. Contudo sentir-te-ás atraída para teu marido, mas este te dominará.'
E ao homem Ele disse: 'Porque escutaste a voz de tua mulher, e comeste o fruto da árvore da qual te ordenara: 'Não podes dela comer': Maldita seja a terra por tua causa!'" (BÍBLIA. V.T. Gênese III, 11-17)

"O Decálogo. X Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçaras a mulher do teu próximo, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença". (BÍBLIA. V.T. Êxodo XX, 17)

Mulheres católicas
"A purificação das parturientes. Javé falou a Moisés, dizendo: 'Fala aos filhos de Israel e dizendo-lhes: quando uma mulher conceber e der à luz um menino, ela ficará impura durante sete dias; ficará impura como nos dias de sua menstruação. No oitavo dia o menino será circuncidado; mas ela ficará ainda em casa durante trinta e três dias com o sangue da purificação; não tocará nenhuma coisa santa e não irá ao santuário, até que os dias de sua purificação se cumpram. Se der à luz uma menina, ficará impura durante duas semanas, como nos dias de sua menstruação, e ficará em casa durante sessenta e seis dias com o sangue da purificação'". (BÍBLIA. V.T. Levítico XII, 1-5)

"As impurezas sexuais da mulher. Quando uma mulher tiver seu fluxo, um fluxo de sangue no corpo, ela ficará impura durante sete dias. Todo o que a tocar ficará impuro até a tarde. Todo móvel sobre o qual ela se deitar durante sua impureza e todo objeto sobre o qual ela se sentar ficará impuro. Todo o que lhe tocar o leito lavara suas vestes, banhar-se-á na água e ficará impuro até a tarde. Todo o que tocar um móvel sobre o qual ela se tiver assentado lavará as vestes, banhar-se-á na água e ficará impuro até a tarde. Se houver um objeto sobre o leito ou sobre a cadeira na qual ela se sentou, aquele que o tocar ficará impuro até a tarde. Se um homem se aproximar dela e a impureza dela passar a ele, ficará impuro durante sete dias, e todo o leito sobre o qual ele se deitar ficará impuro". (BÍBLIA. V.T. Levítico XV, 19-24)

"Oferendas votivas, primogênitos e dízimos. E Javé falou a Moisés, dizendo: 'Fala aos filhos de Israel: se alguém consagrar, por votos, alguma pessoa a Javé, eis o que será a tua avaliação: por um homem, entre vinte e sessenta anos, tua avaliação será de cinqüenta siclos de prata, segundo o siclo do santuário; por uma mulher tua avaliação será de trinta siclos. De cinco anos a vinte anos, tua avaliação será de vinte siclos por um rapaz e de dez siclos por uma moça. De um mês a cinco anos, tua avaliação será de cinco siclos de prata por um menino. Por uma menina, tua avaliação será de três siclos de prata. De sessenta anos e acima disto, tua avaliação será de quinze siclos por um homem e de dez siclos por uma mulher'". (BÍBLIA. V.T. Levítico XXVII, 1-7)

"O divórcio. Quando um homem tomar em casamento uma mulher e consumar a sua união com ela, e ela não encontrar favor aos seus olhos, por que ele nela descobrir algo de repugnante, ele escreverá para ela um ato de divórcio e, depois de lho entregar, mandá-la-á embora. Tendo saído da sua casa, se acontecer que se torne mulher de outro homem, e este último marido, pondo-se a detestá-la, escrever para ela um ato de divórcio e, depois lho entregar, mandá-la embora ou se morrer esse marido, o primeiro marido, que a tiver mandado embora, não poderá retomá-la por mulher depois que tiver sido manchada, porque isso seria abominável a Javé, teu Deus, te dá por herança". (BÍBLIA. V.T. Deuteronômio XXIV, 1-4)

"Deus fez o homem reto. Apliquei-me em explorar e sondar a sabedoria e a razão das coisas, e reconheci que a maldade é estulta e má conduta é insensata! Descobri que a mulher é mais amarga que a morte, porque ela é um laço, seu coração uma rede e seus braços são liames; quem é bom aos olhos de Deus foge dela, mas o pecador será sua presa". (BÍBLIA. V.T. Eclesiastes VII, 25-26)

"O homem não deve cobrir a cabeça: porque ele é a imagem e o reflexo de Deus; a mulher, no entanto, é o reflexo do homem. Porque o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher do homem. Nem o homem foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem. Por isso a mulher deve usar na cabeça o sinal de sua dependência, por causa dos anjos". (BÍBLIA. N.T. I Coríntios XI, 7-10)

"Como em todas as Igrejas dos santos, fiquem as mulheres caladas nas assembléias, porque não é permitido que tomem a palavra. Mas fiquem submissas como ordena a lei. E quando quiserem se instruir sobre alguma questão, perguntem a seus maridos em casa. É inconveniente para a mulher falar na assembléia". (BÍBLIA. N.T. I Coríntios XIV, 34-35)

"Os esposos, Santidade do lar. As mulheres sejam submissas aos seus maridos, como ao Senhor, porque o marido é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja, ele, o salvador do Corpo. Como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres estejam sujeitas em tudo a seus maridos". (BÍBLIA. N.T. Efésios V, 22-24)

Quando falamos de religião não podemos dar um valor específico ao cristianismo e ao judaísmo, que foram as religiões que praticamente determinaram a moral da humanidade. Por trás dos mitos religiosos esconde-se não só características de comportamento, mas também arquétipos a serem cumpridos. Estes mitos são criados pela própria cultura, seguindo padrões de evolução do pensamento humano. Assim, pode-se entender a criação destes mitos religiosos a partir do sentimento dos teólogos.
O escritor cristão Quinto Septímio Florente Tertuliano (155-220) assim pensava sobre as mulheres:

"Mulher, deverias andar vestida de luto e farrapos, apresentando-te como uma penitente, mergulhada em lágrimas, redimindo assim a falta de ter perdido ao gênero humano. Mulher, tu és a porta do inferno, foste tu que rompeste os selos da árvore proibida, tu a primeira a violar a lei divina, a corromper aquele a quem o diabo não ousava atacar de frente; tu foste a causa da morte de Jesus Cristo" (TERTULIANO apud LOI, 1988, 16; LADEIRA, LEITE, 1993, p. 27).

O Patriarca de Constantinopla, São João Crisóstomo (340-407), afirmava que "em meio a todos os animais selvagens não se encontra nenhum mais nocivo do que a mulher" (CRISÓSTOMO apud BEAUVOIR, 1961, p. 118).
O monge Marborde, de Angers, na França, no século XI, assim se referia às mulheres:

"Dentre as incontáveis armadilhas que nosso inimigo ardiloso armou através de todas as colinas e planícies do mundo, a pior é aquela que quase ninguém pode evitar: é a mulher, funesta cepa de desgraça, muda de todos os vícios, que engendrou no mundo inteiro os mais numerosos escândalos" (MARBORDE apud LADEIRA, LEITE, 1993, p. 27).

O monge Bernard de Morlas, da Abadia de Cluny, também na França do século XII, dizia que "toda mulher se regozija de pensar no pecado e de vivê-lo" (MORLAS apud LADEIRA, LEITE, 1993, p. 27).
O teólogo italiano São Tomás de Aquino (1225-1274) desta forma referia-se à condição feminina:

"Para a boa ordem da família humana, uns terão que ser governados por outros mais sábios que aqueles; daí a mulher, mais fraca quanto ao vigor da alma e da força corporal, estar sujeita por natureza ao homem, em quem a razão predomina. O pai tem de ser mais amado que a mãe e merece maior respeito porque sua participação na concepção é ativa e a da mãe simplesmente passiva e material" (AQUINO apud LOI, 1988, p. 22).

Baseado nestes depoimentos podemos concluir que a imagem que se forma da personalidade feminina é distorcida, criando uma expectativa sobre o papel da mulher que pode não ser o da sua natureza biológica. O filósofo Jean-Jacques Rousseau diz que "o cristianismo é uma religião toda espiritual, preocupada unicamente com as coisas do céu. A pátria do cristão não é deste mundo" (ROUSSEAU, 1980, p. 131).
A relevância dos dois mitos trazidos a este trabalho prende-se somente a exemplos que se contradizem, sob o ponto de vista moral. Mas os modelos míticos são inúmeros e todos eles importantes na formação do indivíduo, respeitando-se a proporção que cada um assume na vida deste.
O psiquiatra Isaac Charam assim descreve a carta de Freud a Fliess, reconhecendo a importância dos mitos:

"(...) é possível que os mitos sejam vestígios distorcidos das fantasias dos desejos de povos inteiros. Os mitos expressam fantasias universais, surgidas nas origens da humanidade, que aparecem no inconsciente de todo ser humano. As manifestações mais diretas do inconsciente são os mitos, em nível dos povos, e os sonhos, em nível do indivíduo" (CHARAM, 1992, p. 23).

Na introdução do livro "O martelo das feiticeiras", Rose Marie Muraro, proeminente feminista brasileira, lembra-nos que um mitólogo americano dividiu em quatro grupos todos os mitos conhecidos, assim descritos pela autora do texto:

"Na primeira etapa, o mundo é criado por uma deusa mãe sem auxílio de ninguém. Na segunda, ele é criado por um deus andrógino ou um casal criador. Na terceira, um deus macho ou toma o poder da deusa ou cria o mundo sobre o corpo da deusa primordial. Finalmente, na quarta etapa, um deus macho cria o mundo sozinho" (MURARO, 1991, p. 8).

Pode-se notar que há uma transposição do valor da fêmea, enquanto Deusa, para o valor do macho, enquanto Deus. Há uma passagem do mito grego de Géia, a criadora primária, para os mitos religiosos atuais, onde o macho torna-se criador do mundo.
Também Simone de Beauvoir analisa esta transposição mítica do feminino para o masculino, lembrando-nos das divindades femininas, da Grande Deusa, da Grande Mãe, que "reina sobre toda a Egeida, a Frígia, a Síria, a Anatólia e sobre toda a Ásia Ocidental". Na Babilônia chama-se Ichtar, Astarté entre os semíticos, entre os gregos Réia, Géia ou Cibele e no Egito sob os traços de Ísis; as divindades masculinas são-lhes subordinadas (BEAUVOIR, 1961, p. 90).
Grega
Confirmando a cronologia proposta por Muraro, Beauvoir anota que depois dos mitos primordiais de criação da vida vieram os andróginos, relacionados à natureza: sol e lua, rio e mar, céu e terra, etc. Depois disso o processo de evolução fez com que os mitos femininos abdicassem de seu poder ou, posteriormente, de sua igualdade para a supremacia dos mitos masculinos de criação.
Nas sociedades indígenas brasileiras, antes da penetração dos missionários, os mitos eram tipicamente masculinos e femininos, sem uma relação de supremacia ou poder. Na mitologia Kayapó, por exemplo, os mitos guerreiros, caçadores, inimigos, gigantes e monstros são masculinos. Mas o mito mais contado e mais apreciado é o mito da "Origem das Plantas Cultivadas", mito feminino, que foi trazido

"por uma estrela do céu que além de muito bonita ensinou os índios a cultivar a roça, a plantar mandioca e batata doce, (...) estabelecendo uma relação entre a mulher e a agricultura, a atividade mais importante na sociedade Kayapó" (VIDAL, 1990, p. 83).

Finalmente o historiador Andrée Michel nos diz que:

"O último passo foi dado com a criação do Deus onipotente das grandes religiões patriarcais (o Deus dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos). Se o cristianismo e o Islã foram no início responsáveis por uma melhoria das condições das mulheres, a repressão estava em germe nessas três religiões que faziam das mulheres seres humanos de segunda classe, indignos de exercer as funções sacerdotais em conseqüência de seu sexo. O desenvolvimento de uma casta de sacerdotes, cujo ensino se baseou na superioridade dos machos e no desprezo pelas mulheres, consagrou essa repressão, cujo apogeu foi atingido no Ocidente com a Inquisição" (MICHEL, 1982, p. 22-23).

Modernamente, dos arquétipos femininos, talvez os que melhor definam a contradição de comportamento da mulher sejam exatamente os mitos religiosos de Eva e de Maria. A inclusão do mito de Lilith é uma maneira de resgatar o que a religião escondeu; o arquétipo da mulher crítica e libertária, com desejos de igualdade.
Há de se lamentar, por fim, o nosso desconhecimento do conteúdo do Evangelho de Maria Madalena. Mesmo compreendendo as razoes deste texto não ser divulgado entre nós, um relato feminino talvez trouxesse um fio de novidade em toda essa história. Seria a visão feminina de quem supostamente teve uma vida muito próxima a Jesus. Aliás é inclusive perfeitamente viável que toda esta valorização de Jesus, como filho de Deus, tenha começado exatamente com Maria Madalena, uma mulher. Apesar de Madalena ter vivido mais próxima de Jesus, os quatro Evangelhos divulgados foram escritos por homens: João, Matheus, Lucas e Marcos.

O mito de Lilith / Eva

O mito de Eva é fundamentalmente determinante na detecção da moral imposta pela religião católica. Serve para exemplificar perfeitamente como a moral é repassada através de sutis mitos religiosos. James Hillman chega a afirmar que "toda a história psicológica da relação homem-mulher é uma série de notas de rodapé à história de Adão e Eva" (HILLMAN apud SICUTERI, 1990, p. 24).
Nos mitos babilônicos e hebraicos surge a lenda de Lilith, criada por Deus logo após Adão. Desde seu nascimento Lilith é identificada com o demônio, nasce do pó, como Adão, mas de um pó impuro com fezes e imundícies (SICUTERI, 1990, p. 28).
Para melhor compreensão do mito de Lilith, segue a explicação de Roberto Sicuteri, autor de um profundo estudo sobre este mito. Esta citação foi adaptada com alguns cortes:


Lilith
"O amor de Adão por Lilith, portanto, foi logo perturbado; não havia paz entre eles porque quando eles se uniam na carne, evidentemente na posição mais natural - a mulher por baixo e o homem por cima - Lilith mostrava impaciência. Assim perguntava a Adão: - Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo?' Talvez aqui houvesse uma resposta feita de silêncio ou perplexidade por parte do companheiro. Mas Lilith insiste: '- Por que ser dominada por você? Contudo eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual!'. Ela pede para inverter as posições sexuais para estabelecer uma paridade, uma harmonia que deve significar a igualdade entre os dois corpos e as duas almas. Malgrado este pedido, ainda úmido de calor súplice, Adão responde com uma recusa seca: Lilith é submetida a ele, ela deve estar simbolicamente sob ele, suportar o seu corpo. Portanto: existe um imperativo, uma ordem que não é lícito transgredir. A mulher não aceita esta imposição e se rebela contra Adão.
(...) à recusa de Adão em conceder a inversão das posições no coito, ou seja, a recusa em conceder a paridade significativa à companheira, Lilith pronuncia irritada o nome de Deus e, acusando Adão, se afasta.
Enquanto isso sucede, Adão é colhido por uma sensação angustiosa de abandono. É a hora em que o sol se põe e estão descendo as primeiras trevas da noite de sábado. Lilith se afastou. O homem havia oposto um 'não' à sua mulher. E vêm as trevas; pela segunda noite vem o escuro, o mesmo escuro da sexta-feira na qual Jeová Deus criou os demônios. É o momento do sono profundo, mais uma vez.
Adão e Eva
(...) Adão tem medo, sente que a escuridão o oprime. Sente que as coisas, todas as coisas boas, se estragam. Acorda, certamente olha em torno, e não acha Lilith na enxerga. Adão pensa que a companheira desobedecera mais uma vez seu mandamento. Dirige-se a Jeová Deus, como filho que confia na experiência e na autoridade paterna.
(...) Agora há o desespero, o amargor por haver perdido Lilith. Pergunta ao Pai e o Pai quer saber a causa do litígio e compreende que a mulher desafiou o homem e, portanto, o divino.
(...) Mas voltemos a Lilith. No momento crucial no qual Adão lhe negou o desejo, ela fugiu em direção ao Mar Vermelho, agora odiosa a seu esposo. Jeová Deus proferiu sua ordem: 'O desejo da mulher é para o marido. Volta para ele'.
Lilith não responde com a obediência mas com a recusa: 'Eu não quero mais ter nada a ver com meu marido'. Jeová Deus insiste: 'Volta ao desejo, volta a desejar teu marido'.
Mas a natureza de Lilith mudou no momento em que blasfemou contra Deus, e não existe mais obediência.
Então Jeová Deus manda em direção ao Mar Vermelho uma formação de Anjos. Eles alcançam Lilith: acham-na nas charnecas desertas do Mar Arábico, onde a tradição popular hebraica diz que as águas chamam, atraindo como imã, todos os demônios e espíritos malvados. Lilith se transforma: não é mais a companheira de Adão. É demoníaco manifesto, está rodeada por todas as criaturas perversas saídas das trevas. Está num lugar maldito, onde se produzem espinhos e abrolhos (Gên. III, 18); mosquitos, pulgas, moscas malignas infectam os seres; urtigas e cardos ferem o pé, covis de chacais se confundem com as pedras, cães selvagens se encontram com hienas e os sátiros se chamam uns aos outros em lascivas seduções orgiásticas (BÍBLIA. N.T. Isaías XXXIV, 13-15)" (SICUTERI, 1990, p. 35-39).

Para satisfazer Adão, triste por ter perdido a mulher, Deus manda para o lugar de Lilith, a Eva, mulher submissa, matreira e sutil, que usa de "persuasão" para fazer com que Adão coma do fruto proibido, aprendendo o prazer mas cometendo o "pecado original" e, desta forma, dando origem a todas as nossas desgraças. Em outras palavras Eva, que persuadiu Adão a comer o proibido, e o prazer são os responsáveis por nossas desgraças.
Este mito retrata bem a diferença entre a mulher progressista, que tinha ideais de igualdade, e a mulher submissa, que se coloca, por iniciativa própria, nesta situação. Esta era a diferença fundamental entre Lilith e Eva. E a personalidade que foi valorizada como virtude pela religião católica é exatamente o da mulher submissa.
Visto por um contexto de importância social, o exemplo de Eva, ao contrário, deveria ter sido o esquecido. Provavelmente se o valor dado ao mito de Lilith tivesse sido diferente, a dinâmica entre homens e mulheres hoje, teria sido também muito diferente.
Evidente que seria necessário separar a relação que a religião fez da mulher com o demoníaco. O místico francês São Bernardo (1090-1153), que foi evangelizador durante a Segunda Cruzada, desta forma definia a mulher e seu comportamento, relacionado-o claramente com o demônio:

"Seus rostos são como o vento abrasador, e suas vozes, sibilos de serpentes; mas também lançam encantamentos nefastos a incontáveis homens e animais. E quando se diz que seu coração é uma rede, se está falando da malícia insondável que neles impera. E suas mãos são como cordas para prender, pois quando as põem sobre qualquer criatura para enfeitiçá-la, sempre conseguem seu propósito com a ajuda do demônio" (BERNARDO apud LOI, 1988, p. 20).

De outra forma, Jakob Sprenger (1436-1495), dominiciano alemão, Inquisidor Geral de Maguncia e Tréveris, cidades alemãs, especialista em bruxarias, assim descreve as mulheres:

"Por causa do defeito original de sua inteligência, são mais propensas a abjurar a fé; assim também, devido ao seu outro defeito, distúrbio passional e afetivo, procuram, meditam e infligem múltiplas vinganças, seja por bruxaria ou por outros meios. Não é de estranhar que este sexo tenha dado tantas bruxas" (SPRENGER apud LOI, 1988, p. 25).

A religião, neste sentido, pode criar uma expectativa de papéis com relação ao comportamento feminino que já pressupõe a priori uma postura relacionada ao mal, à exceção e ao demoníaco. De qualquer forma, estes dados permitem concluir de que o que fica de moral desses mitos é que, submissas ou progressistas, santas ou demoníacas, cuidado com as mulheres!

O mito da Virgem Maria

Talvez o mito de Maria seja um dos mais difundidos entre os religiosos. Mas o que prega esse mito? De que forma repercute no imaginário das meninas adolescentes?
O mito de Maria fecha o ciclo iniciado com o pecado original, no qual Eva sugeriu a Adão pecar, passando por todas as submissas mulheres bíblicas, até chegar na mãe pura, aquela que foi mãe sem cometer o pecado original; esta seria o exemplo para todas as mulheres.
Desta forma a psicanalista Emilce Dio Bleichmar define a maternidade:


"A maternidade: esta função da feminilidade se acha ambivalentemente considerada por nossa cultura, já que se bem Maria é a mãe de Cristo e é como mãe que alcança a categoria de sagrada, é a custa de violentar de tal maneira a lógica mais elementar que poucos a acreditam de verdade. Para ser mãe sagrada, deve sê-lo excluindo o sexo" (BLEICHMAR, 1988, p. 102).

De todos os arquétipos femininos, o de Maria é o mais cruel de todos, uma vez que interfere diretamente na relação de prazer da mulher com o mundo. O modelo da mãe de Jesus é o da mulher que foi mãe por uma iluminação divina, de forma assexuada. Ou seja, não pecou, não sentiu prazer sexual.
De tal forma a religião preocupou-se com a pureza de Maria que praticamente retirou das citações bíblicas a existência dos irmãos de Jesus. Somente em alguns pequenos trechos encontramos referências sobre a família de Jesus:

"Chegando à sua terra, ensinava (Jesus) o povo na sinagoga, de modo que muitos ficavam surpresos e diziam: 'De onde lhe vem esta sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não é a chamada Maria? E seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas? Não se encontram entre nós todas as suas irmãs?'" (BÍBLIA. N.T. Mateus, XV, 54-56)

"Foi assim, em Caná da Galiléia, que Jesus começou seus sinais. Ele manifestou a sua glória, e seus discípulos acreditaram nele. Depois disso, Jesus desceu para Cafarnaum com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos. E aí ficaram apenas alguns dias" (BÍBLIA. N.T. João, II, 11-12).

Encontramos ainda citações referentes aos irmãos de Jesus em Mateus, XII, 46-50; Marcos, VI, 2-4; Lucas, VIII, 19-21; João, VI, 3; Atos, I, 14; I Cor, IX, 5 e Gal, I, 19.
A reportagem de Roberto Pompeu de Toledo, na revista Veja, explica esse "desaparecimento" dos irmãos de Jesus:

"O que aconteceu com os irmãos de Jesus - bem como as irmãs, não nomeadas nem quantificadas - foi que a Igreja Católica, a partir de elaborações de São Jerônimo, no século IV, passou a encobrir-lhes a existência. Jerônimo construiu a teoria de que os irmãos citados no Novo Testamento seriam de fato primos, tratados de irmãos em função de uma confusão lingüística. A Igreja Ortodoxa foi por outro caminho, alegando que os irmãos dos textos seriam meio-irmãos, filhos de um casamento anterior de José. Em ambos os casos, a razão é a mesma: o fato de que a teologia, não satisfeita com a virgindade de Maria antes do nascimento de Jesus, ou 'virginitas ante partum', como se diz em latim, quis lhe atribuir também uma 'virginitas post partum', ou seja, depois do parto, e para toda a vida. Mesmo sendo um padre católico, no entanto, John Meier conclui que, de um ponto de vista 'filológico e histórico', os irmãos de Jesus referidos nos Evangelhos devem ser considerados irmãos de verdade" (TOLEDO, 1992, p. 54).

Maria de Nazaré
Sabemos, enfim, que Maria teve oito filhos, além de Jesus, sendo que duas mulheres. O escritor português José Saramago, em seu livro "O Evangelho segundo Jesus Cristo" dá nome a todos os irmãos.

"Em Maria não havia que estranhar, pois sabe-se como as prenhezes, e de mais sendo tantas, acabam por dar cabo duma mulher, vai-se-lhes aos poucos a beleza e a frescura, se as tinham, emurchecem tristemente a cara e o corpo, basta ver que depois de Tiago nasceu Lísia, depois de Lísia nasceu José, depois de José nasceu Judas, depois de Judas nasceu Simão, depois Lídia, depois Justo, depois Samuel, e se mais algum veio, logo se finou, sem tempo de deixar registo" (SARAMAGO, 1991, p. 130).

Mesmo assim o estereótipo que se tenta passar do mito histórico é que a mãe de Jesus, por ser virginal e assexuada, era destituída de pecados. Assim, as meninas educadas sob a moral judaico-cristã encaram sua sexualidade de forma comprometida e distorcida. O modelo de sexualidade oferecido não corresponde à realidade de sentimento das meninas. E só colocando os mecanismos de defesa em ação para se livrarem dos "pecados da carne". Elas crescem reprimindo sua libido, compensando desejos "pecaminosos" com atividades pueris e sublimando qualquer possibilidade de prazer.
A escritora Collete Dowling, em sua obra "Complexo de Cinderela", diz que a sexualidade da mulher é tão castrada que ela precisa da desculpa do amor para sentir prazer com o outro. Não basta, portanto, para a mulher, o simples desejo. O prazer da mulher esta intimamente relacionado a um sentimento inexplicável como o amor.
Este sentimento de amor traz também uma decisiva influência religiosa. O dogma do "amai-vos uns aos outros" pode, inclusive, ser um princípio muito questionável. Por que amar aos outros? Quem sabe o sentimento primordial não seria o inverso? É provável que alguém que se queira tão bem, que se ame tanto, que se admire e queira sua própria felicidade, pense primeiro no amor-próprio para poder desejar que participem da sua história as pessoas que o enriquecerão, complementando sua alegria de viver e seu amor pela vida. Neste sentido, maior força teria um "eu me amo" dito a uma pessoa querida do que um "eu te amo". Ou seja, se alguém se ama e deseja estar com o outro, isto é prova de admiração pelo outro.
Neste sentido Nietzsche (1995, p. 60-61) afirma que o sentimento de amor pelo outro e o espírito altruísta são expressões de fraqueza e negação do eu e que o nosso desejo de um amigo, numa outra pessoa, é o nosso acusador.
De outra forma Freud diz que:

"Se amo uma pessoa, ela tem que merecer meu amor de alguma maneira. (...) Ela merecerá meu amor, se for de tal forma semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merecê-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu (self)" (FREUD, 1976, p. 130-131).

O precursor da psicanálise diz ainda que:

"O mandamento 'Ama a teu próximo como a ti mesmo' constitui a defesa mais forte contra a agressividade humana e um excelente exemplo dos procedimentos não psicológicos do superego cultural. É impossível cumprir esse mandamento; uma inflação tão enorme de amor só pode rebaixar o seu valor, sem se livrar da dificuldade" (FREUD, 1976, p. 168).

Assim deveria ser a vivência do desejo de todos nós, mulheres e homens: baseado no amor-próprio e na alegria de viver e não em desculpas externas às nossas necessidades. No entanto a moral religiosa é diametralmente oposta à intenção de viver com alegria. O psicanalista neo-freudiano Wilhelm Reich diz que esta moral é, primordialmente, anti-vida.
Maria Madalena
O mito de Maria assume assim uma conotação extremamente anti-vida, não só pelo aspecto da realidade biológica, como também pelo aspecto de modelo imposto às mulheres. Não existe para o ser humano um outro arquétipo tão nefasto. Ao contrário, a maioria dos modelos masculinos são povoados de heróis, homens fortes, viris, homens de decisão e à semelhança, na terra, de Deus.
Talvez por isso o nascimento de homens que se fazem e se comportam como deus não seja tão raro assim. Da mesma forma não deve ser tão difícil para as mulheres que buscam seu prazer não conflituarem no seu âmago psicológico o medo de se tornarem prostitutas, vagabundas, vadias, etc..
Através do mito de Maria, o prazer da mulher está sempre relacionado a adjetivos pejorativos, enquanto que com o homem dá-se o contrário. Para os homens o sinal de dignidade masculina é a potência de sua virilidade que é valorizado e reforçado pela própria sexualidade feminina. Para o cientista social Luiz Mott se Maria não é virgem, resta-lhe, a partir dos padrões machistas, ser prostituta, vindo a inventar a gravidez virginal para escapar as pedradas. Diz ainda que:

"Bem-aventurada para os crentes, maldita para os incrédulos, a mãe de Jesus carregará para sempre a culpa de ser a autora de um mito que levou e continua levando à infelicidade e à morte milhões de seres humanos culpados por um indevido prazer: o orgasmo" (MOTT, 1988, p. 186).

Ultimamente alguns setores da Igreja Católica têm procurado rever os conceitos repassados pelo mito da Virgem Maria, apesar dos protestos das congregações marianas. O bispo americano John Shelby Spong, um dos que propõem a mudança, diz que Maria "entrou para o reino divino como um ser destituído de humanidade" (MARIA, 1993, p. 44).
Por outro lado o mito de Maria vem também sendo usado no sentido político, sendo que até mesmo algumas feministas interpretam a virgindade de Maria como "a derradeira conquista da mulher liberada" (MARIA, 1993, p. 44). Na Guatemala a Virgem Maria chegou a ser censurada pelo governo, já que alguns teólogos partidários da Teologia da Libertação vinham usando a imagem de Maria como incentivo à transformação social.
De certa forma a Igreja vem tentando se modernizar e se adequar aos novos tempos. Na Feira Anual de Produtos Litúrgicos Católicos, em Vicenza, na Itália, surgiu a idéia de se aceitar confissões por fax. Da mesma forma os israelitas instalaram um fax junto ao Muro das Lamentações para que os fiéis possam deixar suas mensagens sem sair de casa (DISQUE, 1993, p. 44).
Além dos teólogos, alguns cientistas vêm tentando esclarecer a verdadeira história de Jesus e dos demais personagens bíblicos, já que a História foi contada tantas vezes e várias vezes alterada por evangelhos apócrifos. Há hoje vários livros enfocando este tema(1) e a postura desses cientistas é a de tentar trazer as figuras bíblicas para uma imagem mais próxima da verdade e da realidade humana. Neste sentido, o escritor inglês A. N. Wilson, citado por Toledo (1992, p. 51), afirma que "o mundo de Jesus tem sido colocado num foco mais preciso por nossa geração do que por qualquer outra geração anterior, desde o ano 70 desta era".

NOTA


(1) "Os livros citados por Toledo (1992, 49) são: "Jesus no Judaísmo", de James H. Charlesworth, Editora Imago; "Verdade e Ficção na Bíblia", de Robin Lane Fox, Companhia das Letras; "Jesus, O Judeu", de Geza Vermes, Loyola; "A Marginal Jew - Rethinking the Historical Jesus", de John Meier, Doubleday; "The Historical Jesus", de John Dominic Crossan, Harper e; "Jesus - a Life", de A. N. Wilson, W.W. Norton & Company.


Referências

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EL SAADAWI, Nawal. As mulheres... do mundo árabe: a face oculta de Eva. São Paulo: Global. 1982. 270 p.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol.XXI, p. 75-171, 1976.

LADEIRA, Cadu, LEITE, Beth. As mulheres em chamas: bruxas. Revista Super Interessante, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 24-29, fev. 1993.

LOI, Isidoro. A mulher. São Paulo: Jabuti, 1988. 53 p.

MARIA renasce. Veja, São Paulo, v. 26, n. 6, p. 44, 10 fev. 1993.

MICHEL, Andrée. O feminismo: uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 102 p.

MOTT, Luiz. O sexo proibido: virgens, gays e escravos nas garras da Inquisição. Campinas: Papirus, 1988. 190 p.

MULHERES têm que seguir código rígido. O Globo, Rio de Janeiro, 31 jan. 1993. 1 caderno, p. 40.

MURARO, Rose Marie. Breve Introdução Histórica [a obra O Martelo da Feiticeiras]. In: KRAMER, Heinrich, SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991. p. 5-17.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. São Paulo: Escala, 1995.

O MUNDO que os invasores encontraram: 500 anos. Mensageiro, Belém, n. 69, p. 13-16, maio/jun., 1991.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix, 1980. 235 p.

SARAMAGO, José. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 445 p.

SICUTERI, Roberto. Lilith: a lua negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 211 p.

TOLEDO, Roberto Pompeu de. O Jesus da História. Veja, São Paulo, v. 25, n. 52, p. 48-59, 23 dez. 1992.

VIDAL, Lux. A mulher indígena Kayapó. Mensageiro, Belém, n. 63, p. 83-86, abr./maio/jun., 1990.


Para referência desta página:

BELLO, José Luiz de Paiva. O poder da religião na educação da mulher. Pedagogia em Foco. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: . Acesso em: dia mes ano.

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