Relacionamento. O poder do perfume

Fragâncias.
Eles andam cada vez mais regados de segundas intenções.
Houve um tempo em que se dizia, com ar de sabedoria, que “os melhores perfumes concentram-se nos menores frascos”. A frase, de tão repetida, passou a servir para qualquer coisa diminuta que contém o necessário para a felicidade, de amantes baixinhos a ilhotas paradisíacas. Hoje, diante do vidro voluptuoso que reproduz toda a abundância de Jennifer Lopez, dá para ver que as coisas estão mudando. Enquanto os vidrinhos de outrora sugeriam mistério, como se dentro deles coubesse um sem-número de promessas secretas, agora o que conta no frasco é o tamanho da ousadia.
Alexander McQueen, o genial estilista inglês que gosta de chocar a sociedade, acabou de lançar seu Kingdom feminino numa embalagem vermelha, explosiva, em formato de coração pulsante. O cheiro é intenso e lá bem no fundo evoca, com a devida sofisticação, aquele quê de corpo suado após alguma aeróbica erótica. Moças nuas, literalmente em pêlo, se enroscam na sua propaganda. A casa Yves Saint Laurent anda anunciando a que veio seu novo perfume M7, masculino, com um homem – e que homem! – em objetivo nu frontal nas fotos publicitárias, enquanto a Lacoste e a Davidoff, um pouco menos explícitas, usam belos pelados nos seus anúncios também. Os melhores perfumes trazem cada vez mais as segundas intenções escritas por extenso nas campanhas, nas embalagens e nos seus nomes de batismo.
Veja só: tem o Obsession, de Calvin Klein; o Animale, de Suzanne de Lyon; o Volcan d’Amour, de Diane von Furstenberg; o Pheromone (feromônio, em português), de Marilyn Miglin, que já apela para o lado hormonal do negócio, ou o recém-lançado Chance, de Chanel, que se apresenta, no comercial filmado em Veneza, como a derradeira oportunidade de arrebatar o sexo oposto. São muitos mais os nomes e cheiros que garantem prazeres loucos. Basta uma borrifada e lá vêm os chamados da natureza tocando trombetas através dos aromas. É fazer o próximo aspirar e já ter vontade de partir para a ignorância. Ou seja, é o que todo mundo procura num perfume, não importa o tamanho do frasco: o poder de sedução.
Numa olhadela pela história do perfume que, quer a maioria dos estudiosos, começou no Egito, por volta de 170 aC (outros garantem que foi na Babilônia), dá para ver que aromas e pecados sempre fizeram proezas juntos. Queimavam-se plantas para perfumar os templos da deusa do amor. A eterna prafrentex Cleópatra – quem mais? – já sabia que um bom cheiro deixaria Marco Antônio no ponto, e tratou de espalhar incensos no seu barco a fim de atrair o moço. Você sabia? Vem da queima de ervas aromáticas a palavra perfume, definida em latim como per (através de) e fumum (fumaça). E já que o pecado mora ao lado do sagrado, perfumes atravessaram a história como a oferta suprema de amor aos deuses. Em todas as religiões e culturas, divindades nunca deixaram de ser celebradas com aromas. “O que devemos dar a Deus? Perfumes, luz e canções, as expressões mais refinadas da nossa natureza”, já escreveu Honoré de Balzac.
Oferecer e aspirar o perfume também significa chegar mais perto de Deus. Yves Saint Laurent, esperto, juntou divindade ao seu perfume Opium na embalagem, reprodução estilizada de um inro, estojinho japonês usado para carregar incenso em templos. Acontece que, feito a música de Caetano, tudo é divino, tudo é maravilhoso… Roupas de alta-costura, carrões de cinema, jóias deslumbrantes – chegar perto dessas divindades terrenas custa um bocado, então eis o perfume pronto a nos oferecer, em gotas, uma espécie de vaga na terra dos seletos bem-sucedidos. Não cabe um vestido de Karl Lagerfeld no seu orçamento? Compre um perfuminho Chanel e sinta-se sexy e poderosa como se vestisse um modelo da grife. Ainda não deu para comprar aquela Ferrari? O cheirinho dela pode ser levado para a casa em 100 mililitros. E, na falta do colar de pérolas Tiffany’s, vale o refinamento do seu perfume.
Os perfumes também custam uma nota, mas nada que em três vezes no cartão não se resolva. Assim, as grifes mais mais do mundo sustentam seu luxo vendendo o sonho. O sujeito pelado ou o slogan esperto estão ali, convidando você a partilhar daquele mundo irresistível. “Eden. A fragrância proibida”; “Angel. Cuidado com os anjos…”; “Miss Dior. Definitivamente muito Dior” e outros mais e menos misteriosos, cafonas, divertidos. Todos vendem aquela coisa que ninguém sabe direito o que é, mas entende que é importante: a atitude. Ela varia, claro. No começo dos anos 90, quando era bacana ser andrógeno, um perfume como CK One, unissex, vendeu feito água. Nos últimos tempos, depois da Aids e de outras tantas turbulências no mundo, homens e mulheres têm preferido perfumes muito definidos, cada um epara o seu lado. Depois de 11 de setembro, por exemplo, novos cheiros convidam à sexualidade dentro de casa, à introspecção, à serenidade. Alguns perfumes mais suaves estão ganhando terreno. Assim caminham a humanidade e o mercado. Aqueles clássicos eternos, como o Chanel n° 5, o Femme de Rochas, o Polo de Ralph Lauren e tantos outros, dos tempos em que os melhores vinham nos frascos menores – e isso porque eram tão fortes, sintéticos, que não podiam ser borrifados à beça – nunca saem de linha. Entre os campeões do mundo, estão o Angel, de Thierry Mugler, o Opium, de Saint Laurent, e o J’Adore, de Dior.
Mulheres, ainda as grandes consumidoras, não costumam ser fiéis às marcas. Cheiram conforme o humor do dia. As brasileiras gostam de ir na onda das calientes latinas, como Gabriela Sabatini – seu perfume é pole-position por aqui – e Jennifer Lopez, cujo sugestivo Glow está subindo no pódio dos mais vendidos. Volúpia, romance, mistérios – não importa o que o aroma prometa. Os melhores perfumes são de todos e de ninguém. Os que estão e estarão sempre no ar, espalhando por aí os desejos, os segredos e as lembranças de cada um de nós.

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