Cotidiano. A feminilidade e a mulher do novo século

Como está a feminilidade e a mulher nesse início do século? Gostaria de fazer alguns comentários e um breve histórico da posição e da figura da mulher nesse século que passou bem como abordar questões sobre a masculinidade e a feminilidade.

A sexualidade feminina sempre foi um enigma. Ouvimos muitos comentários, tais como: "ninguém entende as mulheres", "afinal, o que quer uma mulher?", "o que é ser mulher?", dentre outros. Na verdade, o próprio Freud, pai da psicanálise, tinha a sexualidade feminina como algo difícil de entender, um "continente obscuro", e apenas a descreveu mais profundamente em seus estudos mais finais, por volta do ano de 1931.

A figura da feminilidade foi considerada um enigma por muitos séculos, sendo que a figura da masculinidade era mais delimitada. Ser homem era ser forte e viril. Entretanto nada mais complexo do que ser homem ou ser mulher, porque não se nasce assim. Existe um tornar-se homem e um tornar-se mulher. Ou seja, ser homem ou mulher não é algo da ordem da natureza e da evidência, mas da ordem do vir-a-ser e produzida por uma história pessoal e única de cada um. Então a questão não se refere unicamente à feminilidade, mas à masculinidade também, pois a condição de virilidade é tão enigmática quanto aquela da feminilidade. Vale dizer, então, que o que se torna enigmático atualmente é o enigma da diferença sexual.

Não é minha intenção com este artigo vingar a condição feminina, tão humilhada que foi nos tempos passados, pelo desejo de poder do homem, nem inverter as relações e papéis de força e prestígio, mas de podermos entender e pensar um pouco mais sobre qual é o papel da feminilidade e da masculinidade na vida de todos nós.

Foi a partir do século XVIII que se pretendeu delinear uma diferença de essência entre o masculino e o feminino, porque antes disso não havia uma separação maior entre as figuras do homem e da mulher. Esta era considerada como sendo um homem imperfeito. Então quando estas diferenças foram sendo marcadas, a figura da mulher girava em torno do ideal da maternidade, e o traço da sedução foi negado. Com isso, ser mãe e ser mulher ao mesmo tempo seria incompatível. A figura de mãe era o oposto da figura de mulher. A partir do século XVIII, para ser mãe a mulher tinha que abrir mão da feminilidade, para que então sua figura fosse harmônica com a de esposa pura e fiel. Sendo assim, a mulher que ainda mantivesse sua sensualidade passava a ser mal vista e considerada perigosa, beirando as raias da prostituição. A prostituta era a materialização da indecência de mulher e a maternidade estaria fora de sua vida.

A prostituição passava a ter uma função social bem delimitada: aquela que oferecia ao homem o gozo proibido de ser vivido com a esposa, no espaço privado da família. As prostitutas podiam satisfazer as volúpias masculinas. A figura da prostituta seria a condição necessária para a existência da figura da maternidade, sem a qual esta correria risco.

Ao longo do século XX, a figura da mulher toma outro rumo, ou seja, a prostituição da feminilidade da mulher, com a construção da figura da mulher-objeto, transformando-se em objeto de marketing e explorada em todos os seus atributos femininos até o limite e oferecida como mercadoria.

O movimento feminista das décadas de 60 e 70 foi em grande parte bem sucedido em suas demandas e propostas, abrindo novos horizontes para as mulheres. Acontece que a condição de feminilidade muitas vezes não é aceita pelo discurso feminista, pelo menos em sua versão mais radical. Ser sedutora, extremamente feminina daria um caráter de fragilidade, de mulher-objeto, de prostituta? Penso que a disposição de "mulher fatal", de se valer do atributo da sedução não traz qualquer vergonha à mulher.

Mas como a mulher antigamente era destituída de qualquer poder social, lhe restava o poder de ter um corpo com atributos graciosos, ser mulher fatal nesse sentido, para capturar o homem. Então quem sabe por isso que era visto como algo de fragilidade. O que acontecia é que a intenção da mulher era a de se vingar da condição subalterna que a aprisionava no terreno social, tentando inverter as relações de força no campo do amor e do desejo. O que interessava à mulher fatal era a arte da conquista, através de seus atos insinuantes e de sedução, para capturar o homem. Como exemplo disso podemos citar o mito Marilyn Monroe. Então é como se houvesse uma inversão de posições e papéis, da mulher com o homem, de maneira a dar à mulher algum poder sobre o homem. Na verdade as mulheres de antigamente também capturavam os homens para se sentirem mais seguras, pois não acreditavam poderem viver sem eles. Hoje me parece que é como se as mulheres não prescindissem de um homem, quando dizem "não precisa", mas que na verdade precisam muito.

A nova mulher do milênio não pressupõe mais a militante do discurso feminista, mas isso não quer dizer que as conquistas atingidas a partir dos movimentos feministas não tenham trazido uma grande contribuição para essa nova postura de mulher que se apresenta. Essa nova figura de mulher não é um produto direto desses movimentos, mas sim uma idéia de transformação do estrito quadro feminista original. Conquistar um lugar para a feminilidade, sem destituir a mulher de seu lugar de importância. Os movimentos feministas abriram muitas portas para as mulheres, mas não há razão para que a mulher agora assuma um lugar de Paraíba mulher-macho. Portanto, é justamente poder recuperar positivamente certos atributos femininos, e não apenas a sensualidade associada ao poder da sedução. Nesta perspectiva de recuperação dos traços femininos na mulher, pode-se dar um novo colorido à sensualidade e à sedução, não tendo como intenção o aprisionamento da figura do homem. Este não fica mais então concebido como um rival ou inimigo, a famosa "guerra dos sexos", mas sim como um companheiro de brincadeiras. Alguém com quem compartilhar não só as responsabilidades matrimoniais, mas também os afetos, amores e desejos.

Só que para que isso tudo se torne possível, é necessário que a mulher possa respeitar sua condição feminina, colocando-se em igualdade de condições com o homem e sair da posição existencial desvalorizada que ocupava anteriormente. Com isso o encontro amoroso e sexual pode se tornar um encontro divertido também.

A nova mulher do milênio pode ser sensual e sedutora, com erotismo a flor da pele, sem que seja a prostituta, com uma performance apenas mecânica, ou a mulher-objeto, que é embalada com papel celofane e oferecida como mercadoria. A sensualidade e a sedução são marcas da feminilidade agora e se deslocam para o ser da mulher, de modo que não são mais patrimônio apenas dos homens. E vale ainda lembrar que a sedução não precisa mais ser encarada como pejorativa, com um caráter maléfico. Pode ter traços de doçura e de graça. A sedução é a revelação plena do desejo feminino, a conquista pela mulher de sua feminilidade. A bela atriz de cinema, Greta Garbo pode ser ilustração disto, uma vez que fascinou a todos os sexos, que ficavam estonteados com a feminilidade de seu erotismo, a leveza de seus gestos, sua essência e poderia ser considerada a condensação do puro erotismo, a sua feminilização quase absoluta. Por isso permaneceu na memória de todos e no imaginário do século atual como aquilo que é mais do que o belo.

Autora: Luciana Oltramari Cezar

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