Saúde. Mulheres não podem praticar esportes?


O homem que gosta de praticar esportes pode fazer isso a vida toda. Ele terá sua turma de amigos pra jogar futebol e se divertir. Mas o que resta a uma mulher adulta que goste de esportes? Absolutamente nada. Ela pode substituir esse prazer por algum exercício individual como academia, caminhada, corrida, yoga, talvez uma dança, com sorte algum tipo de arte macial. Mas a parte boa de praticar esportes coletivos não é apenas o combate ao sedentarismo. Essa é uma consequência. Tem a competição, a integração, a cooperação com uma equipe, a confraternização. A única competição que resta às mulheres é contra a balança.
Quando eu era menina, era incentivada a praticar esportes. E adorava. Jogava futebol, era goleira de handball, treinava três vezes por semana. Tudo isso acabou assim que entrei pra faculdade. Na vida adulta, a motivação foi pra se manter em forma, mas sem poder fazer esportes. Oferecem-me uma academia, que deve ser a coisa mais tediosa já criada na Terra. Hoje eu adoraria poder jogar futebol com amigas, sem compromisso, só pra me divertir e mexer o esqueleto. Mas não é uma opção. A opção reservada a mim, por ser mulher, é andar em cima de uma esteira, sozinha, autista.
Imagino que matar meus instintos competitivos pros esportes seja parecido com tentar matá-los para outros jogos. Muitos mais homens jogam pôquer e demais jogos de azar e de tabuleiro do que mulheres. Isso porque a competição é estimulada desde cedo nos meninos e podada nas meninas. Mas acho que, no caso dos esportes serem negados às mulheres, a resposta é um pouco mais complicada.
Por exemplo, num site da direita cristã americana uma pergunta me chama a atenção pelo seu teor medieval: “Mulheres deveriam praticar esportes?”. A resposta é que talvez as meninas sim, mas jamais junto com os meninos, porque isso os deixaria efeminados e fracos. E nunca profissionalmente, porque isso tiraria o foco da menina de suas verdadeiras vocações (ler a bíblia e preparar-se para ser uma ótima mãe e esposa), além de poder deixá-la masculininizada.
A mídia em geral vende esportes como algo masculino. Os cadernos esportivos são todos feitos de homens pra homens. As poucas mulheres que porventura aparecem são vendidas como musas e objetos sexuais, não como atletas. Nos EUA, uma capa da Sports Illustrated traz o tenista Roger Federer jogando tênis, muito ativamente. Ele não ganhou a capa por ser bonitinho, e sim por ser um ás no seu campo. Mas quando uma capa da mesma publicação traz uma tenista ― a Anna Kournikova ― ela não está jogando tênis. Ela vem deitada, olhando pra câmera, acompanhada não de uma raquete, mas de um travesseiro.
Pense em quantas vezes você já leu alguma reportagem sobre alguma tenista sem que a palavra “bela” ou “linda” ou “loira” viesse antes do nome. Os maiores jornais sempre trazem amplas fotos e enquetes das atletas mais belas do ano, da década, do século, e todas são brancas, a maior parte loiras. Compare o espaço dado em publicações brasileiras às tenistas russas com àquele dado às irmãs Venus e Serena Williams, também campeãs de tênis, mas negras e musculosas. O que temos são matérias que falam mais da aparência da tenista que das suas conquistas. Algumas leitoras percebem e reclamam: “É muito machismo dar o mesmo destaque pra roupa e pras unhas que pra vitória da tenista. Se fosse um homem, não se mencionariam a roupa ou o cabelo ou qualquer outra coisa 'estética'.” Já os comentários masculinos são neste nível: “Gracinha de mulher. E ainda joga tenis. Nem precisava”. Ou: “Eu adorei saber que, além da numero 1 do tênis, ela é vaidosa e muito sexy! Mulher que pratica esportes não pode se transformar em um 'troço', e essa matéria serve de incentivo para as que se esquecem que são mulheres, belas, inteligentes e interessantes. Beijo na boca dela”.
Esportistas mulheres só recebem destaque se forem bonitas (em outras palavras, dentro do padrão de beleza vigente). Como dependem de patrocínio, existe uma pressão enorme pra que sejam atraentes. Sendo bonitas e “femininas”, elas podem se contrapor à imagem masculinizada da mulher que pratica esportes. Talvez por isso o futebol feminino não consiga transmissão no Brasil, apesar do futebol ser nossa paixão nacional, e da seleção feminina estar entre as melhores do mundo e contar com Marta, uma jogadora excepcional. Mas experimente fazer um joguinho de futebol beneficiente com modelos que mal sabem chutar uma bola. Isso sim rende manchetes!
Há um livro fascinante de Pat Griffin chamado Strong Women, Deep Closets: Lesbians and Homophobia in Sports (Mulheres Fortes, Closets Profundos: Lésbicas e Homofobia nos Esportes), que fala da pressão que as atletas profissionais sentem para provar o tempo todo que são femininas, não lésbicas. Nos EUA, não é incomum que times femininos sejam vistos com desconfiança pelos pais, que têm medo que sua filhinha universitária seja corrompida por um ambiente lésbico.
É ridículo. Mais uma vez, um modelo único de femininidade dita o que as mulheres podem ou não fazer, assim como um modelo único de masculinidade afasta os homens de várias atividades. Aliás, estudos apontam um bom motivo para que homens pratiquem esportes coletivos: é uma das poucas formas socialmente aceitas que eles têm de se tocar. Tristes essas camisas de força que temos de vestir, não?

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