Sexo. O mito do sexo seguro entre lésbicas

Em meados dos anos 80, com o avanço da Aids, começaram campanhas mais fortes pelo sexo seguro e pelo uso da camisinha. As pessoas reclamavam, chiavam, diziam que era como “chupar bala com papel”. Mas com as mortes de gente famosa como Cazuza e Freddie Mercury, no início dos anos 90, percebeu-se que o assunto não era brincadeira.
Assim, a camisinha virou parte obrigatória da vida sexual das pessoas. Os programas de televisão e as campanhas ensinavam não só a operação de colocar e tirar a camisinha, mas sugeriam maneiras de inclui-la de uma maneira menos agressiva na relação. Dessa forma, pedir para usar camisinha deixou de ser falta de confiança, para se tornar demonstração de respeito e preocupação.



Mas e as lésbicas no meio disso tudo? Porque uma camisinha não exatamente resolve o problema de fazer sexo seguro entre as lésbicas. Embora algumas pesquisas sugiram que a possibilidade de contrair o vírus HIV numa relação entre mulheres é muito baixa ou quase nula, existem diversas doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) das quais é preciso se proteger.

No entanto, não existe, até o momento, um método próprio para lésbicas. Instrumentos como a camisinha feminina, que pode ajudar em algumas modalidades de sexo, não são encontrados facilmente. A administradora Wanda Rizzi *, que mora em um grande centro urbano, reclama: “uma vez, fui tentar comprar uma camisinha com minha namorada, rodamos três farmácias e não encontramos nada. Os balconistas diziam que não tinha saída”.

Para Elvira Filipe, psicóloga e gerente da área de prevenção do Programa Estadual DST/Aids do Estado de São Paulo, o sexo oral é o que oferece maiores riscos de contração de DSTs. “Algumas dessas doenças encontram na mucosa da boca uma porta de entrada para o micro-organismo. Por isso, também recomenda-se não fazer sexo oral logo após ter escovado os dentes ou ter usado fio dental: pode se ferir a gengiva, o que facilita a transmissão de algumas infecções”, comenta.

Danielle Mordini, editora do site Labris.org, dedicado a mulheres homossexuais, utiliza camisinha nas mão para a penetração. “Como tenho gatos brincalhões em casa e vivo com as mãos cheias de cortes, a camisinha protege minhas mãos”, explica. “Além disso, não corro o risco de machucar minha parceira com as unhas.”

Ela acredita que ter sempre camisinha ao alcance já aumenta as chances do sexo seguro. Na sua opinião, é preciso usar sempre proteção em “brinquedos” ou vibradores e é interessante não fazer sexo oral até ter uma conversa séria com a parceira sobre sexo seguro.

Mas ela admite que a necessidade de improvisação – principalmente no sexo oral – estimula a prática sem proteção. De fato, as formas de barreiras requerem artifícios nem sempre disponíveis no momento da relação, além de serem indiscretas e desestimulantes. “A ausência de insumos específicos para a prática de sexo seguro nas relações sexuais entre mulheres tem sido apontada constantemente pelo movimento organizado, que vem propondo um maior investimento dos gestores de saúde na elaboração de políticas públicas de atenção a este segmento”, comenta Elvira.

Uma iniciativa nesse sentido foi o projeto-piloto “Chegou a hora de cuidar da saúde”, lançado em 2006 pelo Mininstério da Saúde, em cinco Estados brasileiros e que visa a alertar para os cuidados necessários que devem ser tomados por lésbicas e mulheres bissexuais em relação à práticas sexuais e à saúde em geral.

“A relação entre mulheres lésbicas e bissexuais e a temática saúde está perpassada por uma série de fatores que envolvem: a invisibilidade do homoerotismo feminino; a invisibilidade da própria sexualidade feminina; e o grau de preconceito existente ainda hoje em nossa sociedade, em relação à homossexualidade”, opina a psicóloga.

Outro obstáculo para a prática de sexo seguro é a extrema confiança que as lésbicas têm nas parceiras. O médico Valdir Monteiro Pinto, responsável pela unidade de doenças sexualmente transmissíveis do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, realizou uma pesquisa com 145 lésbicas que apontou que apenas 2% das mulheres adotavam métodos de prevenção em relações com outras mulheres enquanto 45% das que haviam praticado sexo com homens nos três anos anteriores haviam utilizado camisinha.

“As razões mencionadas para o não uso de métodos de proteção no sexo entre mulheres foram que elas não viam necessidade para isso, não sabiam que deveriam se prevenir ou tinham muita confiança na parceira, ainda que seja uma relação casual”, diz o médico. A pesquisa fez parte da tese de mestrado do médico, que foi orientada por Cássia Maria Buchalla, médica epidemiologista e professora associada do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

O sexo seguro entre lésbicas é praticamente um mito e gera desconforto em muitas relações. Os motivos, como apontados na reportagem, são muitos e passam por questões mercadológicas, culturais, comportamentais e até crenças equivocadas. Como se viu, ainda é necessária muita criatividade para driblar todos os obstáculos. Mas a conscientização é importante até para que as próprias lésbicas se questionem e passem a exigir políticas e campanhas para mudar esse quadro – e cuidarem melhor de sua saúde.

Para saber mais:

Dossiê saúde das mulheres lésbicas: promoção da eqüidade e da integralidade
Regina Facchini e Regina Maria Barbosa
Editora: Rede Feminista de Saúde
Disponível em www.redesaude.org.br

Livreto especial do Ministério da Saúde “Chegou a Hora de Cuidar da Saúde”
Disponível em www.aids.gov.br

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