Cotidiano. As mudanças de comportamento das grávidas segundo a ciência

Emoções da GrávidaTão inevitável quanto a barriga de uma grávida crescer é o humor mudar. E muito. E em poucos minutos. E quase sem razão nenhuma. O fato é comprovado por todas as gestantes. Sem exagero. Diante da pergunta "Seu humor muda muito durante a gravidez?", as respostas são: "Estou com os nervos à flor da pele", "Acho que enlouqueci", "Todo mundo me evita, tal o meu mau humor". Ninguém enlouquece por estar grávida. Mas que os sentimentos mudam a cada minuto - da euforia à depressão, da alegria à tristeza profunda -, isso é bem verdade. Parte dessa montanha-russa de emoções tem uma explicação científica - hormonal, para ser mais exata. E a saída para enfrentar os nove meses de cara alegre é simples: manter o bom humor.
Pode não ser fácil, mas, acredite, é possível. Está certo que a sensação que as grávidas têm é de que os sentimentos estão enlouquecidos, de que as emoções estão fora do lugar. Ansiedade e medo vêm de uma vez só e o furacão desgovernado atinge os mais próximos - leia-se "maridos". A atriz Daniela Braga, 25 anos e grávida de nove meses, que aparece nas fotos desta reportagem, acha que simplesmente mudou de personalidade. "Minhas atitudes de grávida são chocantes. Primeiro, eu que sempre fui liberal, passei a me sentir abandonada quando meu marido sai com os amigos. Se minha mãe não me liga todos os dias, acho que não me ama mais. Mas o pior são as experiências nas feiras de artesanato, que eu adoro. Simplesmente quero bater em qualquer um que me toque. E é impossível não encostar nas pessoas numa feira. Da última vez que fui, saí correndo", conta.
O que diz a ciência
Os hormônios são substâncias produzidas por glândulas espalhadas pelo corpo, como a hipófise, a tireóide, os testículos e o ovário. Lançados na corrente sanguínea, eles regulam o bom funcionamento do organismo. Todo mês, um pouco antes da menstruação, o ovário produz os hormônios progesterona e estrogênio, responsáveis pela preparação do corpo para a gravidez. O processo pára com a eliminação do óvulo não fecundado, mas mesmo assim as mulheres sentem seus efeitos na fatídica TPM, a tensão pré-menstrual. Quando ocorre a fecundação do óvulo, ele próprio se encarrega de produzir novo tipo de hormônio, o gonadotrofina coriônica ou HCG, justamente o que acusa o resultado positivo nos exames de gravidez. Lançado na corrente sanguínea, o HCG "avisa" que existe um bebê em formação e que, por isso, precisa de uma produção maior de progesterona e estrogênio. Emoções da Grávida
Esses hormônios passam a ser produzidos pela placenta em escalas "industriais" e são indispensáveis para que ocorra uma gestação. "O progesterona atua deixando o metabolismo mais lento, de maneira que a mulher não queira sair correndo. É um mecanismo de proteção da gravidez", explica Hans Halbe, obstetra do Hospital das Clínicas, em São Paulo. "O problema é que a progesterona e o estrogênio têm um efeito depressivo sobre o humor e deixam a mulher mais sonolenta, cansada, desanimada." Os grandes níveis de HCG são responsáveis por fazer algumas mulheres vomitarem, o que não deixa ninguém feliz. Sua presença também tem a tendência de deixar a mulher enjoada com cheiros, comidas e até pessoas que antes gostava - mas isso só acontece se houver alguma repulsa anterior, ainda que inconsciente.
Montanha-russa
 
"Não é só a presença dos hormônios depressores que levam a mulher a ficar desconfortável. O maior problema é o aumento das substâncias. Os hormônios vivem em equilíbrio constante. Se um aumenta ou diminui, interfere na produção dos outros. O organismo é obrigado a se ajustar e reconhece toda essa adaptação como uma verdadeira crise. Pior do que o aumento são as oscilações", observa o obstetra Abner Lobão Neto, coordenador do serviço de pré-natal personalizado da Universidade Federal de São Paulo. A gestação começa com a entrada em cena do HCG em níveis que crescem e caem rapidamente durante o primeiro trimestre.
Quando não está grávida, a mulher chega a ter no máximo 40 miligramas de progesterona circulando pelo corpo durante 24 horas. Durante a gestação, essa quantidade cresce 15 vezes, ficando entre 250 e 600 miligramas, conforme o desenvolvimento do bebê. O estrogênio, apesar de não atuar diretamente no humor, também atrapalha, porque passa do normal 0.6 miligrama para até 20 miligramas por dia, em mulheres grávidas. O nível sempre está aumentando durante a gravidez, uma montanha-russa sem fim para o humor. E dá-lhe choros em comerciais com crianças e cachorros, em trailer de filme, em cima de álbuns de fotos. Gisiane Cristina Curvelo, 23 anos, estudante, lembra dando risadas do estado depressivo que ficou quando esperava a filha, hoje com 6 meses. "Um dia, por estar muito desligada, deixei queimar a comida do almoço. Chorei a tarde toda sentada na cozinha", conta.
São os hormônios!
A progesterona é responsável por preparar a cavidade uterina, deixando o endométrio mais espesso, pronto para receber, fixar e ajudar a desenvolver o óvulo fecundado. Ele mantém o local assim até o fim da gravidez e também tem o papel importante de manter a musculatura uterina relaxada durante os nove meses, inibindo contrações antes da hora. Além disso, combinado com outras substâncias, a progesterona ajuda no crescimento das mamas da mãe e no desenvolvimento dos órgãos sexuais do futuro bebê. O estrogênio ajuda a reorganizar o metabolismo da mulher, que agora, além de manter o corpo funcionando, também tem de dar conta do desenvolvimento de um novo ser. O HCG tem uma função importantíssima: evitar que o organismo da mulher reconheça o feto como um corpo estranho, rejeitando-o e causando um aborto. Com o HCG, cada órgão sabe o que fazer enquanto o bebê se desenvolve.
Outros vilões
Emoções da Grávida
A partir da segunda metade da gestação, entram em cena modificações físicas que também não deixam a vida mais divertida - não, os hormônios não são os únicos malfeitores da história. Os pés, por exemplo, incham, obrigando a grávida a refazer seu sapateiro com pares um ou dois números maiores. E aquela camisa que ela adora, nem forçando os botões cabe mais. O cansaço agora vem da barriga, que fica realmente enorme e impede movimentos simples. A coluna, que passava despercebida, pode trazer desconfortos. "Além disso, também é preciso levar em conta o contexto de vida da mulher. É seu primeiro filho? A gravidez era desejada mesmo ou, no fundo, a mulher sente que vai atrapalhar a carreira? Quais são suas expectativas com as mudanças físicas do corpo e com sua mudança de papel na sociedade? A ação dos hormônios está misturada a essas questões, que podem aparecer disfarçadas em forma de ansiedade e comportamentos explosivos", diz o obstetra Lobão Neto.
"Muita gente também aproveita a fase para fazer uma reavaliação da própria vida, o que as deixa naturalmente mais sensíveis", explica Ana Merzel Kernkraut, psicóloga da Unidade Materno-Infantil do Hospital Albert Einstein. "Existe sempre um misto de querer e não querer, dúvidas sobre a saúde do bebê, que só irão diminuir com o primeiro ultra-som", alerta. E a grávida também entra em contato com emoções novas, que podem lembrar a infância, a relação com a mãe. Tudo isso pode ter resultados diversos sobre o seu humor. Sem falar na licença cultural de que grávidas podem andar por aí mal-humoradas, sem que ninguém ache isso esquisito.
Tem solução
Emoções da GrávidaHá esperança de que os nove meses não sejam um inferno total? Sim, afinal, algumas mulheres, com hormônios e tudo, se sentem poderosas durante a gravidez, ficando mais alegres e ativas. Apesar da mudança de comportamento, Daniela Braga, a grávida da abertura da matéria não tem dúvida: "Por incrível que pareça, me sinto mais animada para fazer as coisas. Acho que é porque estou feliz em ter um filho. Então, tento valorizar esses sentimentos bons no meu dia-a-dia", conta. Manter o astral lá em cima é realmente a melhor - talvez a única - solução. Não só para as próprias grávidas, mas para as pessoas que a cercam. E os maridos precisam mesmo de uma dose extra de paciência. Ter uma visão amadurecida da situação, sem ficar dando importância a detalhes - como uma discussão por causa da cor do berço - conta pontos para manter a harmonia da relação.
Um marido bem-humorado pode ajudar a mulher a encontrar o equilíbrio. A atendente administrativa Ariane de Mattos, 27 anos, grávida de seis meses, conta que a irritação vem de repente. Como não tem ninguém para ajudá-la na arrumação da casa, quando fica até mais tarde no trabalho, chega cansada e desanimada. Da última vez, a bagunça na cozinha era tanta que não tinha condições de fazer comida. Ela estourou. O marido até tentou dizer que podia ajudá-la, mas ela o culpou por tudo e foi para a cama sem comer. "Só na manhã seguinte, quando vi a mesa do café arrumada, é que me dei conta de que, se tivesse aceitado sua ajuda, nada disso teria acontecido. Fui pedir desculpas", conta. O marido deu a resposta certa: "Não tem problema. Você sabe que por você e, agora, pelo nosso filho, faço qualquer coisa". Ganhou o dia.
Por que seu humor muda na gravidez
Emoções da GrávidaA presença do HCG no organismo pode fazer a mulher enjoar com cheiros de comidas e até de pessoas que antes gostava
Os vômitos, freqüentes em algumas mulheres, também são causados pelo nível de HCG que cresce e cai rapidamente durante o primeiro trimestre
A coluna é forçada, pois suporta mais peso do que o normal
A barriga aumenta e as roupas preferidas vão ficando cada vez mais difíceis de usar
O nível de progesterona, hormônio depressor mas necessário, passa de 40 para até 600 miligramas por dia
Os hormônios vivem em harmonia. Quando um aumenta, interfere nos outros. Só o estrogênio passa de 0.6 para 40 miligramas por dia na gestação
Os pés incham. A grávida tem de refazer a sapateira com sapatos até dois números maiores

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