Ainda é insatisfatória a compreensão da função sexual humana, em particular a da mulher. Este domínio da fisiologia humana, hoje tão importante, sempre foi violentamente envolvido por idéias preconceituosas, de caráter religioso e outros problemas de ordem social menos detectáveis à primeira vista. E de tal forma que houve enorme retardo no processo de sua elucidação.
Os primeiros esforços para se entender a sexualidade feminina foram
feitos por Freud e seus seguidores da corrente psicanalítica (alguns
inclusive do sexo feminino, como Helene Deutch). Porém, esses trabalhos
são de tal forma envolvidos pela mentalidade da época, que hoje talvez
tenham como valor fundamental ajudar a compreensão de como era vista a
mulher e sua sexualidade na primeira metade deste século. Só a título de
exemplo, as manifestações femininas de independência e auto-suficiência
social, isto é, tentativas de viver de acordo com os padrões, na época,
caracteristicamente masculinos — atividades profissionais próprias,
ambições de sucesso e status social — eram interpretadas pelos autores
psicanalíticos como uma óbvia inaceitação da condição feminina e
rivalidade com a figura masculina. Em uma frase, isto era "inveja do pênis",
expressão habitual até hoje nas terapias analíticas de mulheres. Outro
aspecto básico da visão psicanalítica da sexualidade da mulher dizia
respeito ao orgasmo vaginal,
como única forma digna e amadurecida de descarga. Não obstante venhamos
a discutir isto mais adiante em detalhes, devo esclarecer que só nos
últimos anos da década passada apareceram nos EUA trabalhos incisivos
que mostraram não se poder estabelecer nenhuma correlação entre maturidade emocional e capacidade para desenvolver orgasmo vaginal.l
De todo modo, a psicanálise admitia básicas diferenças entre o homem e a
mulher, especialmente no que diz respeito ao amor e ao sexo. E estas
diferenças sempre foram tidas como importantes nas civilizações
ocidentais, de modo que a teoria psicológica forçosamente foi
"contaminada" pela época e pelo meio cultural em que viveram seus
autores. As descrições detalhadas das fases infantis do desenvolvimento
sexual foram feitas por autores psicanalíticos e, apesar de não terem o
caráter absoluto pretendido, esclarecem adequadamente o processo social de repressão do impulso sexual em suas manifestações infantis precoces.
Por volta dos seis - sete anos todas as crianças já sabem que
determinadas sensações corpóreas ou certas práticas com colegas são
coisas inaceitáveis para os adultos, em particular para os adultos
significativos (pais, avós, tios, professores e outros que tenham
contato constante com elas, e que sejam fonte de segurança e afeto).
Apesar de uma certa compulsão para estes procedimentos (não em todas as
crianças, pois dependem de variações quantitativas da intensidade do
impulso sexual e outros fatores), devido ao prazer que eles determinam,
as práticas são efetivadas com culpa, em geral sob a forma de ansiedade
persecutória, e muito menos freqüentemente do que provavelmente seriam;
além disso são escondidas dos adultos — comumente se dão em banheiros.
É
importante ressaltar que a repressão da sexualidade infantil vem
diminuindo, aliás junto com o aumento global da liberdade e dá
importância das crianças dentro do ambiente familiar.
Esta foi, a meu ver, uma das significativas contribuições da
psicanálise na nossa evolução cultural. Há, até mesmo, um exagero de
preocupação em se "respeitar" as necessidades das crianças, que às vezes
são verdadeiros ditadores de normas dentro da estrutura familiar.
O que tem sido sistematicamente negligenciado é o fato de que existem óbvias diferenças biológicas quanto à intensidade dos instintos sexual e agressivo.
É provável que sigam, como outros fatores biológicos (estatura e
inteligência por exemplo), as tradicionais curvas de distribuição
normal. É provável também que haja certa correlação entre a repressão
sexual e a repressão da agressividade que dependerá de como o meio
familiar é capaz de lidar com as manifestações espontâneas das crianças,
bem como da intensidade destas manifestações. Como hipótese geral, penso que a repressão sexual (e em geral a da agressividade) é tanto maior quanto maior for a intensidade do instinto;
isto vale até um certo ponto de intensidade instintiva, acima do qual a
repressão se torna insuficiente e a sexualidade predomina na vida
infantil mais do que qualquer outra atividade lúdica habitual. Esta
sexualidade, mais intensa do que qualquer repressão, prossegue na vida
adulta "inundando" a vida psíquica da mulher, de uma forma quase
contínua; a isto se dá o nome de ninfomania, que não seria realmente uma "doença" mas uma variação do normal de caráter biológico e, portanto, sem correlação com traumas específicos ou qualquer outro aspecto psicodinâmico.
Uma das formas adultas de frigidez sexual poderia estar relacionada a
um instinto sexual razoavelmente maior do que a média submetido a forte
repressão na infância (a repressão é maior porque as manifestações
espontâneas são mais freqüentes). Em determinadas circunstâncias
dependentes da história da vida dessas mulheres, a sexualidade pode se
manifestar de forma bastante intensa, quase na base do "tudo ou nada". É
o caso de muitas mulheres "frias", mas cujo aspecto físico, trejeitos,
modo de falar, de andar, de vestir-se, demonstram forte sexualidade,
facilmente detectada pelos homens, o que em geral faz com que se sintam
humilhadas, como se "estivessem sendo confundidas com prostitutas", além
de orgulhosas.
Em síntese, durante, toda a infância existem manifestações de natureza
sexual nas meninas, assim como nos meninos. A intensidade destas depende
provavelmente de variações quantitativas do instinto sexual, havendo
certa correlação entre o grau de repressão (que sempre existe) e a
freqüência e natureza das manifestações sexuais observadas pelos adultos
responsáveis. Estas práticas quase sempre continuam existindo, porém às
escondidas e fortemente carregadas de sentimentos de culpa e vergonha.
A
adolescência representa um complicado emaranhado de sentimentos dentro
da mente da menina, ainda nesta idade com ego bastante frágil. É importante assinalar que há poucos anos atrás, mesmo em famílias de razoável informação, a primeira menstruação
acontecia e a menina não tinha a menor idéia do que estava sucedendo.
Muitas vezes se acreditava doente. "Curiosamente" não tinha coragem de
se informar com a própria mãe e procurava algum outro adulto mais íntimo
para se esclarecer. Para a informação sexual em geral, nem é preciso
dizer que as meninas não podiam contar com familiares. Só entre amigas
íntimas é que se discutia alguma coisa (aliás, estas relações costumam
ter certo caráter homossexual, de muito pouco significado porque em
geral são manifestações mais de inibição no trato com os rapazes, na
vigência de forte impulso sexual). Às vezes se informavam um pouco em
livros (que liam escondido dos pais) ou então com os próprios namorados
(isto já pelos dezesseis - dezessete anos de idade) também pouco
habilitados para dar esclarecimentos satisfatórios. Mesmo quando os pais
pretendiam dar uma informação sexual mais adequada, eles mesmos não
tinham muita condição para fazê-lo.
O grande drama da puberdade e adolescência feminina é a prática da masturbação.
A carga culposa é terrível, porém a intensidade do desejo, na maioria
dos casos, é maior. Dependendo do tipo de educação repressiva anterior, a
masturbação não existia na adolescência de pelo menos um terço das
meninas. Hoje ela é prática habitual (como sempre o foi entre os
meninos). Nesta fase, é freqüente que a repressão assuma um caráter mais
nitidamente religioso, isto é, de repressão interiorizada. E de tal
modo que este "crime" é passível de punição, mesmo quando praticado do
modo mais escondido possível. A repressão com caráter religioso mostra a
dificuldade do ego de lidar com a contradição interna entre o desejo e a
proibição cultural já interiorizada: há a necessidade de se projetar em
uma figura divina onipresente (que substitui a figura dos pais, já
ineficaz por não estarem presentes ao ato), competente para o devido
castigo. O fato mais marcante deste período é a enorme "solidão" na qual
o "crime" é consumado, raramente com a "cumplicidade" de uma amiga mais
íntima. Em virtude disto, o sentimento de culpa e o sentimento de inferioridade decorrentes de se sentir menos digna que as outras
se instalam de forma mais acentuada. É possível que este período seja
apenas a repetição, em idade de maior consciência, de situações
similares até mesmo dos primeiros anos da infância. Porém, a repetição
na adolescência é fundamental para a estabilidade dos sentimentos de
inferioridade e de culpa de tipo auto-agressivo.
Apesar de tudo o que já se escreveu a respeito da masturbação, aceita hoje quase que universalmente como um fenômeno
normal, instintivo, e sem conseqüência maléfica nenhuma, não creio que
existam entre nós muitas meninas capazes de se masturbar sem sentirem
nenhuma culpa ou vergonha.
Os sentimentos de inferioridade assim reforçados funcionam como um dos
elementos básicos da habitual timidez das meninas, especialmente no
trato com os rapazes, o que evidentemente ajuda a retardar o real
contato físico na maioria das vezes para dois a cinco anos após o início
da puberdade. Neste período, além das fantasias sexuais estimulantes
das atividades masturbatórias, costuma haver um envolvimento emocional
intenso e unilateral por algum rapaz com quem a menina tenha algum
contato social. O envolvimento é essencialmente em fantasia, de tal
forma que se o rapaz manifestar qualquer interesse concreto, o
sentimento amoroso se desfaz imediatamente, refletindo o medo da
aproximação de fato. Muitas vezes o sentimento de inferioridade se
manifesta sob a forma de não aceitação de alguma inadequação estética em
relação aos padrões em vigor na época: tamanho e forma do nariz, idem
dos quadris ou seios, estatura, peso corpóreo, conformação das pernas
etc. de tal forma que a timidez ou mesmo a recusa de aproximações com
rapazes se dá por este motivo aparente, o que esconde a vergonha da própria sexualidade, sentida
como inadequada e de natureza tal que não deve ser exposta à avaliação
de ninguém. Às vezes, as adolescentes se deixam deformar pela obesidade
(que envolve evidentemente complexos fatores outros) como forma de se
tornarem menos assediadas, não tendo que enfrentar situações percebidas
como ameaçadoras.
É evidente que além da repressão introjetada, os pais tinham uma função
ativa no sentido de impedir a aproximação de caráter sexual. A rebeldia
dos adolescentes contra estas figuras autoritárias era de tal forma
como se não existisse nenhuma proibição interior. Como atualmente
existem alguns pais bem mais tolerantes em relação à conduta sexual das
meninas adolescentes, tenho visto acontecerem fenômenos bastante
pitorescos. Um exemplo é o seguinte: uma moça bastante bonita e
sensual, educada sempre num ambiente de total liberdade sexual e
razoável liberdade também quanto as outras exigências familiares
habituais (rendimento escolar, por exemplo), sempre sentiu esta conduta
familiar como um profundo desinteresse por ela. Consultou-me aos vinte
anos de idade mais ou menos; tinha idéias sobre os costumes muito mais
rígidas do que o habitual da sua geração e condição socioeconômica. Ela
conta que, quando criança, sempre pedia à mãe por favor que dissesse
"não" a ela para algumas coisas (o que não ocorria, apesar da
insistência). No início da puberdade passou — voluntariamente —quase o
tempo todo na casa de uns amigos de costumes sexuais os mais rígidos
possíveis, de modo que, por comparação com o seu ambiente familiar,
aprendeu a considerar aquela família como exemplo de dedicação e
interesse. Seu primeiro namorado (mais ou menos aos dezesseis anos)
encontrou-a praticamente ingênua quanto ao sexo e também quanto ao resto
(aliás, quando a conheci, a ingenuidade continuava sendo uma das coisas
mais evidentes do seu modo de ser, juntamente com forte insegurança e
fragilidade para as coisas relacionadas com rapazes). Apesar disso,
rapidamente tiveram relações sexuais, bem sucedidas quanto à sua
capacidade de reagir orgasticamente à relação vaginal. Acontece que este
rapaz é o que se pode imaginar de repressivo, autoritário, possessivo e
ciumento. Desde o início se sentiu responsável por ela, "coitada",
"filha de pais negligentes", contra quem ele passou-a ter violenta
revolta e ódio (especialmente do pai). Assumiu sua "paternidade",
obviamente corri plena anuência dela, de forma que ela se sentisse amada
em virtude das restrições e proibições impostas à sua individualidade.
Fica claro que esta moça não tinha a menor condição emocional para
entender a liberdade autorizada pelos pais, pois isto aumentava demais a
sua responsabilidade de se cuidar por si só, além de obrigá-la a lidar
com entidades repressivas interiorizadas.3
Várias outras moças, eu tenho visto se fixarem emocionalmente, de um
modo compulsório, ao rapaz com quem mantêm maior intimidade sexual pela
primeira vez ou mesmo relação vaginal: é como se se criasse uma certa
"cumplicidade" difícil de ser rompida. Costuma aparecer uma sensação de
que ainda virão a se casar como expiação da culpa e "normalização" da situação. São moças procedentes de famílias bastante mais tolerantes do que a média padrão da família brasileira.
Vários outros exemplos eu poderia citar para justificar a seguinte afirmativa:
os adolescentes vêem seus pais bastante mais conservadores e críticos
do que hoje realmente são. E isto como defesa para encobrir sua real
"falta de coragem" e fraqueza quanto à mudança de costumes, que eles
ainda agora acompanham muito mais intelectualmente do que no plano emocional.
Faremos a seguir uma descrição mais ou menos isolada dos afetos em jogo
nas intimidades sexuais pré-conjugais, já que continuam mais freqüentes
só quando a ligação amorosa é estável e com adequados compromissos
sociais - noivado, e início das relações sexuais vaginais, em geral logo
após a "consumação" do casamento. É evidente que neste setor existem
fortes diferenças entre as gerações hoje com quarenta anos ou mais, as
pessoas em torno de trinta anos de idade e alguns jovens com vinte e
poucos anos (a maioria deles ainda se comporta de um modo muito similar
às pessoas de trinta anos). Porém, as diferenças são essencialmente
quantitativas e não qualitativas. Isto é, a visão preconceituosa do sexo como algo com certa carga de indignidade e indecência persiste e é geral para todos neste país.
A descrição será geral, e a compreensão das diferenças entre gerações
será detectada naturalmente pelo leitor. Quando elas forem
significativas, serão descritas mais detalhadamente.
As intimidades sexuais mais extensas, isto é, aquelas que envolvem os
órgãos genitais de ambos, em geral se iniciam com uma forte sensação de
culpa, e de cumplicidade do casal, de alguma forma atuando às escondidas
dos pais da moça. Apesar de tudo, nas relações propriamente ditas, é
habitual que alguma repressão seja exercida pelo rapaz. Isto por razões
próprias de educação masculina (discutida no capítulo seguinte) e também
pela tradicional atitude passiva da mulher diante de qualquer responsabilidade.
Vários relatos de clientes minhas incluem afirmações do tipo a sugerir
que se casaram "virgens" porque seus noivos assim impuseram. Por elas a
relação vaginal teria se consumado antes (projeção da atitude repressiva
sobre os homens, discutida melhor adiante).
O modo dessas intimidades é em geral do tipo estimulação manual dos
órgãos genitais de ambos; quando as condições permitem, contato do pênis
com a zona vaginal e principalmente estimulação do clitóris. As
relações anais e os contatos orogenitais são muito raros nesta fase, e
em geral, se incluem no hábito sexual dos casais só alguns anos após o
casamento, isto quando chegam a ocorrer. A verdade é que estas relações
são bilateralmente satisfatórias, no sentido de provocar descarga
orgástica em ambos. Fica, porém, uma certa sensação de frustração e
expectativa de ambos pela não penetração vaginal. Tanto rapazes como
moças foram educados no sentido de "sonharem com o orgasmo vaginal da mulher, simultâneo à ejaculação do homem".
E a educação sexual, mesmo quando existe, não diz nada a respeito, de
forma que se pode supor que é só haver a penetração e tudo isto ocorrerá
naturalmente e sem problema algum. A mim parece estranhíssimo que as
coisas continuem a ser postas nestes termos simples até hoje — mesmo em
famílias bem liberais — quando se sabe, desde os tempos do relatório
Kinsey (publicado há mais de trinta anos), que em mais de dois terços
dos casais as coisas não ocorrem desta maneira. Os jovens, mesmo os
rapazes com suas "experiências" anteriores (na grande maioria das vezes
só com prostitutas ou outras mulheres cuja satisfação sexual não os
interessa absolutamente), não têm a menor informação acerca dos
problemas que possam aparecer durante a iniciação sexual. Tudo é posto
simplesmente em termos de uma certa dificuldade inicial da mulher em
virtude da dor provocada pela ruptura do hímen, dor esta que pode se
estender por alguns dias.
É, portanto, surpresa total para ambos a constatação de que a reação
orgástica vaginal não se dá, mesmo após alguns meses de experiências. É
evidente que estamos falando da maioria dos casais; existe
uma certa porcentagem de mulheres (talvez 15 a 20%) que desenvolvem
orgasmo vagina/ sem maiores problemas; mesmo assim há certo
desapontamento, pois não há nenhuma diferença qualitativa ou
quantitativa por comparação com o orgasmo obtido pela estimulação do
clitóris.
É curioso observar que numa razoável porcentagem de casos existe uma
inibição sexual inicial do homem a penetração (incapacidade de ereção);
nos casos em que isto ocorre, a mulher se sente muito mais à vontade nas
tentativas seguintes, menos obrigada a "adequados" desempenhos e com
freqüência maior do que o esperado, estas mulheres costumam ter
orgasmo vaginal sem dificuldades. Várias hipóteses poderiam
explicar, ao menos em parte, este fenômeno: um certo enfraquecimento da
figura sexual masculina, sentida como ameaçadora por razões
culturais e em função da expectativa da dor da ruptura do hímen; um
temor masculino de "iniciar" suas mulheres, intuitivamente sentidas como
muito sexuadas, além de um certo constrangimento em provocar dor na
pessoa amada.
Fato aparentemente mais estranho ainda, que por ora só quero ressaltar, é que os
homens se assustam terrivelmente quando as mulheres demonstram ter
gostado da relação sexual, mesmo sem terem atingido o orgasmo;
e isto não ocorria, ou era muito mais velado nas intimidades
pré-conjugais. Em geral a forma como aparece este estado de alarme e
pânico é através de brincadeiras jocosas desqualificadoras e
desabonadoras do comportamento da mulher. É como se, no fundo, ele esperasse uma mulher sexualmente desinteressada, apesar de verbalizar exatamente o contrário.
Após a surpresa inicial do casal pela inexistência de resposta vaginal, se estabelece uma curiosa acomodação.
O homem se sente pouco competente sexualmente, e de certa forma chama a
si a responsabilidade pelo fracasso ("eu não sou capaz de
satisfazê-la"). A mulher, por comparação com os modelos aprendidos (pois
também estas dificuldades costumam ser escondidas de todos), vai
progressivamente se sentindo doente, "portadora de frigidez sexual". É
evidente que um sintoma inevitável desta "doença" é o crescente e
progressivo desinteresse da mulher pela prática sexual. Como a situação é
também frustradora para o homem, a
freqüência das relações sexuais no casal vai rapidamente caindo até o
nível mínimo aceitável pela cultura (uma a duas vezes por semana),
e que nós poderíamos considerar como necessidade sexual mínima do homem
(a da mulher praticamente não é levada em conta, pois ela se
desinteressou). Esta necessidade mínima é, provavelmente, uma mistura do
biológico com os padrões da cultura, posta em termos de "obrigação de
rendimento sexual dentro do matrimônio". Como é muito difícil para os casais conversar sobre este tema,
as coisas vão ficando assim mesmo, evidentemente bastante
insatisfatórias para ambos. Alguns casais mais jovens voltam às práticas
sexuais pré-conjugais, isto é, às relações em que há -fundamentalmente a
estimulação clitoridiana; nestas condições, as mulheres conseguem
atingir o orgasmo e o casal consegue se satisfazer. Em geral, são estes
mesmos os que procuram também experimentar outras formas de aproximação
sexual, tais como tentativas de relação anal e contatos orogenitais. Porém, todas estas práticas, apesar de serem bastante satisfatórias, são postas em termos de substitutos do padrão sexual normal
- orgasmo vaginal e simultâneo à ejaculação — e carregadas de certo
teor de culpa e principalmente de inadequação; não é como "gostariam" e
como "deveria ser", não é uma prática amadurecida; apesar de ser satisfatório do ponto de vista da descarga física, não satisfaz absolutamente do ponto de vista emocional, o
que talvez explique a baixa freqüência destas relações, bem como as
tentativas periódicas de se conseguir uma relação sexual "verdadeira e
normal" (sempre mal sucedidas e frustradoras).
As dificuldades sexuais se confundem com outros aspectos da dinâmica
conjugal; voltaremos a isto posteriormente. É importante ressaltar
também que em geral este período de iniciação e dificuldades sexuais
coincide com outro problema complexo que é a gravidez da mulher e o nascimento dos filhos, o
que abala bastante o processo, e muitas vezes é usado como desculpa
para explicar problemas sexuais do casal. Até há muito pouco tempo, as
mulheres engravidavam logo após o casamento, e isto mesmo depois do
advento de adequados recursos anticoncepcionais. Não era tema
questionável, este de ter filhos; era uma decorrência imediata e
esperada do casamento (se um casal ficava mais de alguns meses sem que a
mulher engravidasse, os familiares se preocupavam, pois isto
significaria a existência de algum problema físico — na mulher — que a
impedia de ter filhos. Apesar da curiosidade, ninguém ousava perguntar
nada, pois este tema também era proibido). A verdade é que muitas vezes o estado gravídico provocava um sentimento inicial bastante hostil da mulher em relação ao marido (este
em geral aceita bastante melhor a gravidez, por vários motivos óbvios,
além de ser também uma demonstração pública de sua "eficiência sexual"),
quer pela antevisão do parto, provocando medo da dor física, quer pela
expectativa da deformação física por longos meses, quer pela insegurança
ligada à dificuldade de lidar com a responsabilidade da maternidade.
Pode existir também uma certa vergonha no apresentar-se socialmente
grávida, em geral atribuída à deformação física, mas que algumas
mulheres conseguem verbalizar como sendo a gravidez uma manifestação "visível" da sua vida sexual agora consumada (ainda que insatisfatória). Este estado de coisas costuma corresponder ao primeiro trimestre da gravidez, depois do que as mulheres habitualmente se sentem muito bem. Superada
a fase inicial de não aceitação da condição, o sentimento se modifica
bastante e elas costumam se sentir bastante úteis e felizes por estarem
gerando uma nova criatura. É
uma sensação de plenitude e bem-estar, em que todas as outras coisas da
vida perdem boa parte da importância habitualmente atribuída. Assim,
além dos preconceitos e medos ligados à "saúde" do futuro bebê, o comum é
que haja ainda uma diminuição na freqüência das relações sexuais do casal neste
período, atribuível à deformação física da mulher, sua habitual
sonolência, e tudo isto se soma aos problemas da iniciação sexual já
descritos.
Como os casais costumam ter entre dois e quatro filhos, com pouca
diferença de idade, o comum é que os problemas ligados à sexualidade
voltem a assumir adequada importância só entre cinco e dez anos após a
data do casamento. É evidente também, como veremos, que nesta época já
existirá uma série de outros problemas decorrentes do "desgaste" da
própria relação afetiva, de modo que muitas vezes o problema tende a ser
"solucionado" com a procura de um novo parceiro, o que costuma repetir
os padrões iniciais do namoro e casamento, de uma forma bastante
peculiar.
Em síntese, o que tenho habitualmente encontrado em mulheres com mais
de trinta e cinco - quarenta anos de idade é a resignada aceitação de
uma "frigidez vaginal" e uma preocupação sexual exclusivamente voltada a
satisfazer as necessidades mínimas dos seus maridos. Não há clima nos casais para qualquer tipo de discussão franca a respeito do tema. Não se procura, portanto, nenhuma outra forma de procedimento sexual que não seja o mais trivial, o que, a meu ver, quer dizer que este estado de coisas coincide também com as necessidades masculinas de inibir a sexualidade da mulher. Há um bom número de mulheres nesta faixa de idade, e mesmo mais jovens, que simplesmente "fingem" sentir orgasmo vaginal. Isto
é, em boa parte, devido a um certo constrangimento inicial de mostrar
sua "incompetência" e a um constrangimento posterior em esclarecer esta
situação. Aliás, é comum ser assim nas relações extraconjugais. Tenho
visto várias mulheres mais jovens, com experiências extraconjugais (onde
a expectativa de desempenho sexual é maior) nas quais elas fingem ter
orgasmo vaginal. Estas mulheres realmente se sentem envergonhadas de
explicar aos seus parceiros a forma pela qual elas atingem o orgasmo
(estimulação do clitóris). Em geral são só seus maridos que estão
familiarizados com as práticas de estimulação do clitóris e, no final, é
com quem elas realmente conseguem uma experiência sexual orgástica
(apesar de, em geral, menos estimulante e excitante do que a situação
extraconjugal).
Nos casais mais jovens, após as sistemáticas tentativas de se obter
orgasmo vaginal simultâneo à ejaculação (assinalo, mais uma vez, que em
uma pequena porcentagem de casos isto ocorre), há, como já dissemos, uma
tendência para se voltar a práticas sexuais não vaginais. Essas
práticas determinam plena satisfação física, mas não são bem aceitas no
nível das expectativas psicológicas e por isso são bastante menos
freqüentes do que seria de se esperar. As relações costumam se dar da
seguinte forma: período mais ou menos prolongado de carícias, hoje
bastante livres; estimulação manual, ou por meio do pênis, do clitóris e
zonas labiais da vagina até o orgasmo feminino; penetração vaginal e
ejaculação do homem.
Esta forma de satisfação sexual, encontrada de um modo experimental e
solitário por muitos casais, corresponde em boa parte aos achados dos
estudos sistemáticos efetuados por Masters e Johnson sobre a fisiologia
sexual humana. Assim, no comportamento masculino verificou-se que após a
ejaculação existe um período refratário, isto é, um período de
desinteresse sexual (de duração extremamente variável, dependendo da
idade, clima psicológico em que se dá a relação, variações individuais
de natureza biológica, desde dois minutos até algumas horas). Nas
mulheres não existe período refratário, de modo que elas podem estar
sexualmente disponíveis imediatamente após a reação de orgasmo. Sem
querer me estender demais sobre este dado bastante significativo, penso
ser bastante lógico o fato de, admitida como desnecessária a satisfação
simultânea, a mulher chegar ao orgasmo antes do homem, uma vez que para
ela é bastante mais fácil e até mesmo prazeroso dar continuidade por
alguns minutos à relação sexual.
Porém, o dado fundamental a ser extraído dos estudos de Masters e
Johnson — e colocado depois mais claramente por autores de divulgação de
suas idéias, uma vez que a colocação original me pareceu muito tímida
(o que é bastante explicável) — diz respeito à resposta orgástica
vaginal. A verificação experimental mostrou que a maioria das mulheres
não dispunha de grande sensibilidade vaginal, nem dolorosa, nem tátil (o
que talvez queira dizer que a vagina está mais equipada para as funções
de reprodução — parto — do que para fins de prazer sexual). Admitindo
que a descarga orgástica resulta da concomitância de uma estimulação
psicológica (condição emocional em que se dá o contato sexual, estímulos
oriundos dos órgãos dos sentidos em geral) e de uma estimulação física
direta de alguma zona altamente sensível para fins sexuais (e a resposta
ejaculatória necessita também desta concomitância de estímulos físicos e
psicológicos), e admitindo que a
zona mais sensível da mulher é a do clitóris, resulta claro que o
orgasmo feminino se dá naturalmente através da estimulação deste órgão. Em
função de sua posição, em geral distante do orifício vaginal, a
estimulação do clitóris durante a penetração vaginal costuma ser
insuficiente para desencadear a resposta orgástica, esta se dando com
muito mais facilidade através de qualquer tipo de estimulação direta,
mesmo manual. A
conclusão inevitável destes achados é que o orgasmo natural, biológico e
espontâneo da mulher se dá por estimulação do clitóris em um clima
emocional (real ou fantasioso) adequado. Em
um pequeno número de mulheres, em virtude de uma inervação vaginal mais
extensa ou da colocação do clitóris numa posição mais próxima do
orifício vaginal, o estímulo físico pode ser suficiente durante a
penetração vaginal do pênis permitindo a realização da relação sexual
como é esperada pela nossa informação cultural; em outras palavras, a
capacidade biológica espontânea para reagir conforme o esperado, isto é,
ter resposta orgástica durante a penetração vaginal, é rara e
corresponde a condições anatômicas pouco freqüentes.
No livro que trata dos processos terapêuticos das disfunções sexuais,
Masters e Johnson desenvolvem uma técnica sistemática e progressiva para
tornar possível à mulher aprender a
responder de modo orgástico à penetração vaginal. Do modo como é feita a
colocação, fica outra vez posta em dúvida a "dignidade" do orgasmo
clitoridiano. Ele é biológico, mas de certa forma a maturidade emocional
da mulher estaria em relação com sua capacidade de aprender a
ter orgasmo vaginal; e neste particular a posição destes autores passa a
ser menos a decorrente dos seus próprios achados originais e despojados
de valores, para incorporar, de uma forma nova (e com uma linguagem
nova), os padrões habituais da cultura. E isto não quer dizer que este
procedimento (aprender a ter resposta orgástica vaginal) seja pouco útil
ou eficaz. A concomitância de satisfação sexual num casal é
extremamente cômoda, mas é só cômoda. Não corresponde a nenhum sinal de
amadurecimento emocional. Não
corresponde, na maioria dos casos, à biologia e sim a um dos muitos
aprendizados a que se pode submeter o ser humano (a rigor, é um
aprendizado bastante mais simples do que se conseguir passar oito - dez
horas à noite dormindo sem necessidade de urinar).
Só interessa ressaltar, também, que a eficácia do aprendizado está
fortemente relacionada com a dinâmica da relação homem-mulher
especialmente na atualidade, quando a atitude feminina é de competição
com os homens e a maioria das mulheres não tem muita vontade de, fazer
"concessões" desta ordem aos homens. Quanto
mais a relação sexual se der numa condição de relativa independência de
fatores da relação afetiva íntima, maior a possibilidade de existir o
orgasmo vaginal.
Se a condição for de alta excitabilidade psíquica, este, pode ocorrer
também (e aí é, evidentemente, ocasional). Quanto mais jovem a mulher,
maior a probabilidade de se dar o aprendizado espontâneo da reação
vaginal; e isto pode se dar em decorrência de uma atitude menos
competitiva em relação a status social e, portanto, menos competitiva
com os rapazes!(é claro que aos dezesseis - dezessete anos quase ninguém
o tem, a não ser, evidentemente, o que decorre da condição cultural
econômica de sua família) ou então em função da existência de um forte
instinto sexual em moças, que por isso mesmo não incorporam os padrões
repressivos, a ponto de chegarem a ter relações sexuais precoces para o
nosso meio. Quanto
menos autoritário e repressivo for o homem, mais facilmente se dará
também o aprendizado. Fica claro, do exposto, que a pior condição para o
desenvolvimento deste aprendizado é a situação conjugal.
Fica claro, também, que a resposta vaginal (tanto a biológica como a
aprendida) não corresponde ai nenhuma maturidade emocional específica em
geral, não é indicativa de coisa alguma e não é de forma nenhuma
necessária para a plena realização sexual de uma mulher. Em outras
palavras, não é "doença" a ausência de orgasmo na penetração vaginal.
É necessário ressaltar que a literatura técnica, mesmo a recente, não
coloca as coisas nestes termos, pelo menos com clareza. De um modo
geral, continuam sendo usadas classificações de distúrbios sexuais
femininos como a de Steckel, em que só se considera normal e sadio o
orgasmo vaginal. A "dignidade" do orgasmo clitoridiano só é explícita na
literatura americana de divulgação. Como vimos, mesmo Masters e Johnson
assumem uma atitude bastante equívoca em relação ao problema. Mas penso
que este modo como coloquei o problema se baseia em dados biológicos e
empíricos e, se
considerarmos o orgasmo vaginal como o único "sadio" teremos que
considerar com cuidado e apreensão o fato de que pelo menos dois terços
das mulheres estão "doentes".
Estes números indicam ou um equívoco da cultura em avaliar
adequadamente os elementos da biologia, ou uma patologia social de ampla
e complexa extensão, superando em muito o âmbito da psicologia. Se
considerarmos como normal o orgasmo clitoridiano e o entendermos na
mesma categoria do orgasmo vaginal, então simplesmente não existe esta
doença que envolve quase todas as mulheres, e a frigidez sexual passa a
designar incapacidade de reagir orgasticamente em qualquer forma de
relação sexual objetal. Sua incidência é baixa, envolvendo talvez uma
porcentagem quase igual à das formas reais de impotência sexual
masculina, o que do ponto de vista lógico e de uma abordagem mais
crítica é extremamente mais satisfatório.
Talvez seja importante iniciar o estudo da frigidez sexual feminina
pela conceituação de relação objetal. Do modo como estou usando a
expressão, ela significa que a atenção e o interesse da mulher está
fundamentalmente centrada no parceiro (e nas suas próprias sensações na
troca de carícias com ele). Isto para esclarecer uma condição que eu
considero patológica — frigidez — em que o orgasmo existe, porém só
quando a mulher fica (durante a estimulação clitoridiana ou a penetração
vaginal) fantasiando condições sexuais fortemente excitantes,
em geral de caráter bastante promíscuo (segundo a sua própria
moralidade). Esta situação é bastante próxima da masturbação, porém
define uma condição peculiar: a incapacidade de haver a reação do orgasmo se não houver fantasias bem distantes do "aqui e agora".
É importante ressaltar ainda uma vez que me parece inadequado este tipo
de comportamento, mesmo quando, através dele, a mulher seja capaz de
desenvolver a reação orgástica durante a penetração vaginal. Esta forma
de incapacidade sexual só tenho encontrado em mulheres casadas e tendo
relação sexual com os seus maridos; não tem relação com formas
extremamente simplificadas e desinteressantes de relacionamento sexual
(coisa que é bastante freqüente entre casais), nem com o tempo de
duração do casamento; em outras palavras, não tem nada a ver com a
monotonia da vida conjugal. Ocorre em mulheres que sentem forte culpa
ligada à sua sexualidade, culpa esta muitas vezes relacionada com
desejos tidos como indignos (fantasias de sexo grupai, sadomasoquista,
bissexualidade etc.). Como as fantasias são em geral deste teor, se
trata evidentemente de um esquema de reforço da própria culpa, de tal
forma que tende a se perpetuar este padrão de comportamento, muitas
vezes iniciado com a finalidade de facilitar a obtenção do orgasmo
(aliás, isto tudo que descrevi não tem nada a ver com habituais diálogos
de caráter promíscuo — sempre segundo os próprios critérios de moral do
casal — que com freqüência são mantidos com a finalidade de aumentar o
grau de excitação psíquica). Além da culpa ligada a desejos sexuais de
caráter compulsório e não aceitáveis, esta condição aparece muitas vezes
relacionada com complexos desajustes conjugais, que levam ao quase
total desaparecimento do desejo sexual da mulher por seu próprio marido
(e isto nem sempre significando ausência de um importante vínculo
afetivo). .
O exagerado sentimento de culpa ligado a sexualidade está na origem de quase todas as dificuldades sexuais femininas.
E isto é uma resultante da característica educação das meninas a este
respeito; é interessante dizer desde já que, no caso dos homens, o fator
primordial não é relacionado com sentimentos de culpa (não que eles não
existam) mas sim com uma forte preocupação com a competência para o
"adequado" desempenho sexual. Em casos extremos, o sentimento de que a
própria sexualidade é algo indigno de ser plenamente exteriorizado é de
tal forma intenso, que as mulheres são incapazes de se excitar além de
uma certa intensidade na presença de qualquer parceiro masculino (aliás,
é bom assinalar que quanto mais valorizado o homem, maior é a
dificuldade), de tal forma que o orgasmo se torna quase sempre
inatingível. Estas mulheres, através das práticas de masturbação, chegam
ao orgasmo com enorme facilidade. Vale a pena repetir aqui que uma das
hipóteses levantadas é a de que a intensidade da repressão da
sexualidade na infância e adolescência é função direta da intensidade do
instinto sexual; isto significa que a presença de exagerado sentimento
de culpa ligado à sexualidade em muitos casos significa a existência de
um forte desejo que deverá ser sentido como indigno e inadequado e este
sentimento a mulher usará para poder "se controlar" melhor. Já disse
também que nestes casos a sensualidade é bastante detectável pelos
homens em geral, o que pode ser tomado pela mulher como mais um sinal de
que eles vêem nelas algo de "errado", e por isso mesmo ficam ofendidas
com o procedimento audacioso que certos homens tomam em relação a elas
(é lógico que ficam envaidecidas, também). Em
outras palavras, a frigidez sexual é uma defesa contra uma sexualidade
sentida como muito intensa, e que plenamente manifestada levará a um
resultado catastrófico.
Esta condição vem com freqüência acompanhada de outros sintomas
somáticos ou psicológicos de caráter bastante específico e, a meu ver,
importantes para confirmar a hipótese da hipersexualidade como causa do
distúrbio. Na área psicológica, é freqüente se encontrarem traços
obsessivo-compulsivos, na grande maioria das vezes, relacionados com o
asseio pessoal e principalmente o da habitação. Os rituais são extensos,
trabalhosos e ocupam às vezes quase o dia inteiro destas mulheres; este
acentuado zelo pelo trabalho feminino habitual pode ser entendido como
um disfarce e/ou expiação de culpas ligadas às fantasias sexuais. Na
área somática, é comum encontrarmos sintomas bastante incômodos, que
aparecem inicialmente só em circunstâncias em que existe a possibilidade
de encontros com variadas pessoas, inclusive homens que poderiam se
interessar por elas e sentidos como atraentes; são sintomas que
raramente existem quando as mulheres estão sozinhas ou dentro do grupo
familiar restrito. Os mais comuns que tenho encontrado são fortes
náuseas e vómitos, sensações incomodas no baixo ventre, tanto
relacionados com o sistema urinário como com as funções digestivas;
quando aparecem estes sintomas, a mulher perde toda espontaneidade e
interesse pelo grupo social e procura o mais depressa possível voltar à
condição "segura", isto é, se desvencilhar de todos e voltar para sua
casa.
Há mais uma condição encontrada com certa freqüência e que vale a pena
considerar a respeito do tema. É a incapacidade que certas mulheres têm
de se aproximar sexualmente dos homens. A rigor não é uma forma de
frigidez sexual, pois o encontro mais íntimo nem chega a ocorrer.
Trata-se de um forte estado ansioso associado à aproximação sexual; e é
esta a única razão que impede o relacionamento; em outras palavras, há
um impedimento quase físico (ansiedade, pânico e todos os sintomas
somáticos concomitantes com este estado) para a relação sexual, apesar
de que esta é desejada com clareza pela mente da mulher. O nome
apropriado para esta condição seria fobia sexual. As
fobias se definem como medo-pânico irracionais, isto é, por condições
ou coisas que racionalmente achamos que não deveriam provocar medo
algum. É um dos setores da patologia psíquica em que se tornam mais
observáveis as diferenças entre as análises feitas pelas escolas
psicanalítica e comportamental. Do ponto de vista da teoria
psicanalítica, as fobias são entendidas da mesma forma que a maioria dos
sintomas psíquicos, isto é, com um significado simbólico relacionado
com os conflitos inconscientes e arcaicos, na maioria das vezes ligados à
sexualidade infantil. As teorias comportamentais entendem as fobias
como o resultado de uma ou mais experiências traumáticas específicas,
experiências estas determinando a associação de um forte estado de
medo-pânico a situações que, normalmente, a maioria das pessoas não
sente como ameaçadoras. Só a título de exemplo esclarecedor, citarei
dois casos de fobia por mim atendidos: uma pessoa originária da Europa,
passou lá o período da Segunda Guerra Mundial; em sua cidade havia
constantes bombardeios aéreos, obrigando as pessoas a se refugiarem em
pequenos abrigos antiaéreos, bastante escuros e abafados; vinte anos
após, esta criatura desenvolveu um típico quadro de claustrofobia
(medo-pânico de lugar pequeno, escuro, abafado e de saída difícil em
caso de acidente — é o caso de elevadores, por exemplo). Outro paciente
desenvolveu um quadro agorafóbico (medo-pânico de sair de casa e outros
locais bem habituais, especialmente quando se está sozinho ou
acompanhado de pessoas de cerimônia; quanto mais longe a pessoa tiver
que ir, maior costuma ser o pânico) após ter tido uma crise cardíaca
bastante benigna durante um almoço de negócios.
Não é este o momento apropriado para aprofundamentos deste tema e mesmo
da complexa discussão teórica que a confrontação destas duas teorias
poderia determinar. Penso que a dificuldade de se associarem os
conceitos psicanalíticos e comportamentais em tentativas de explicações
mais globalizantes dos distúrbios psíquicos decorre mais da atitude
dogmática dos fanáticos seguidores de cada uma destas teorias do que de
reais impossibilidades metodológicas ou práticas. Franz
Alexander, um dos mais eminentes e produtivos autores, de formação
psicanalítica, ressaltou há mais de dez anos a grande utilidade de se
tentar compreender os fenômenos psíquicos à luz de uma visão pluralista e que leva em conta todos os fatores envolvidos.
De todo modo, o característico dos quadros de fobia sexual em mulheres é
a existência de específicas (e de lembrança nítida, na maioria das
vezes) situações traumáticas no que diz respeito à história sexual. A
situação mais freqüente é a de traumas relacionados a terem sido
expostas a exibicionistas (homens que se excitam sexualmente através de
exibirem o pênis, de preferência a mulheres que manifestam forte susto
pela situação); há outros, como tentativa de violação, forte impressão
de medo associada a terem presenciado uma (ou várias) relações sexuais
entre seus pais (ou outros adultos) etc. É evidente que o tema é
complexo e este seria só um aspecto do problema; nem todas as meninas
expostas a estas ou outras condições traumáticas desenvolvem o quadro
fóbico descrito, o que significaria a existência talvez de uma certa
"facilidade biológica" mesmo para associação de medo a determinadas
situações em determinadas pessoas. As fobias típicas da área sexual podem ter relação com figuras paternas extremamente autoritárias e ameaçadoras; aí
os traumas específicos se confundem com todos os outros típicos
problemas do desenvolvimento da sexualidade na nossa cultura, de tal
forma que a compreensão global e pluralista do problema se impõe.
Voltaremos a este assunto ao tratarmos dos recursos terapêuticos atuais
no que diz respeito às dificuldades sexuais, pois curiosamente trata-se
de uma condição de difícil e ainda insuficiente compreensão, porém de
procedimentos terapêuticos bastante eficazes e em geral mais rápidos.
Finalmente, gostaria de fazer algumas considerações a mais sobre a ninfomania; elas
se justificam, não tanto pela entidade em si, bastante rara, como
principalmente pelo temor existente em várias mulheres de "serem
ninfomaníacas". Este temor em parte existe em conseqüência da
tradicional idéia de que o desejo sexual feminino não é muito intenso
(especialmente em comparação com o do homem); como a maioria das
mulheres hoje o sente com bastante nitidez, e como a comunicação
interpessoal a respeito destes assuntos é bastante pobre, o medo se
justifica. Além do mais, este
tema "espetaculoso" é freqüente em publicações femininas e em geral
aparece sem nenhuma fundamentação científica, contribuindo para
confundir ainda mais as pessoas. A
ninfomania é, geralmente, definida como uma "prática sexual compulsiva e
promíscua", onde a mulher, traumatizada por conflitos da sua história
infantil — sem nenhuma especificidade — procura, sem nunca encontrar,
plena satisfação sexual. Às vezes, a coisa é posta como se estas
mulheres fossem frias.
Como já foi dito, entendo a ninfomania como uma variação normal, onde o
instinto sexual é de tal intensidade que nem toda a repressão comum na
educação de meninas mais "assanhadas" é eficaz no sentido de diminuir
manifestação quase contínua do interesse sexual. O caráter "promíscuo"
(indiscriminado) é uma decorrência de "compulsório", e aparece desde os
primeiros anos de vida. Não conheço muitos casos de ninfomania, mas o
que tenho visto é a existência de condições familiares em nada
diferentes de tantas outras; não há nenhuma característica psicodinâmica
detectável na origem desta condição. O que há é uma marginalização
social (e desde o início) em decorrência da
forma como se comporta a ninfomaníaca. Assim, há desinteresse por quase
todos os jogos infantis que não tenham sentido sexual; o mesmo ocorre
quanto às atividades escolares. Num dos casos que atendi, a menina
passava quase todas as horas do dia se masturbando (mesmo na sala de
aula), o que a tornava bastante solitária, e até mesmo ridicularizada.
Na adolescência, o comum é que a experiência sexual seja bastante
precoce (doze - catorze anos de idade), e isto me parece bastante
lógico, em virtude do fortíssimo desejo e de pouca culpa associada à
prática sexual (em outros casos, como o desejo é quase contínuo, mesmo
que haja sentimentos de culpa, estes são sempre menos intensos e nunca
predominam). A partir daí, a marginalização social é quase que
obrigatória, pois a maioria das famílias, e também dos colegas, não têm
condição de aceitar esta criatura; a única saída costuma ser a
prostituição, o que quer dizer que também o meio social não tem condição
de lidar com esta tão intensa manifestação da sexualidade (sentida como
desagregadora das estruturas). Nestes casos extremos, a mulher tem
orgasmo nas relações sexuais quantas vezes tiver oportunidades de manter
relações, e em geral ainda se masturba várias vezes ao dia, para poder
aliviar parcialmente a tensão sexual contínua; é evidente que há forte
comprometimento do pragmatismo associado a estes quadros, que em muito
se assemelham clinicamente às graves neuroses obsessivo-compulsivas.
Entre esta descrição extrema e a sexualidade de intensidade normal (o
termo está sendo usado no sentido estatístico) há toda uma gama de
intensidade do instinto sexual (tanto mais freqüentes quanto mais
próximas do normal), levando em geral a formas características de modos
de vida, nem sempre bem compreendidas pelas próprias mulheres e pelo
meio social em geral. Como já ressaltei, penso que uma das razões desse
mal entendimento se baseia na pouca (ou nenhuma) importância dada até
mesmo pela ciência da psicologia às variações quantitativas do instinto
sexual humano.
NOTAS:
(1) Infelizmente, esses trabalhos, publicados em revistas técnicas de alto nível, não tiveram a devida divulgação em nosso país. As informações chegam-nos mal diluídas, em traduções ou seleções duvidosas. Prefere-se a insinuação picante, a publicidade pornográfica à veracidade dos estudos. Independente dos apelos em que isso implica, não há dúvida de que a sonegação da verdade leva ao preconceito e favorece a ignorância necessária para que ele persista. E é um índice de nosso baixo padrão cultural.
(2) Um dos autores que tenta, com maior êxito, dissociar o aspecto universal dos aspectos circunstanciais da psicanálise é E. Fromm.
(3) A confusão entre amor e dominação também é muito importante neste exemplo, e será melhor discutida depois.
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