A pretensão deste capítulo é a de descrever,
o mais possível sem interpretações, o que costuma ocorrer em nosso meio
quando um homem e uma mulher se unem para constituir novo núcleo
familiar.
Apesar da estrutura familiar como a conhecemos existir há muito tempo,
já ressaltei que os estudos sistemáticos sobre sua dinâmica são bastante
recentes. O mesmo tabu que existe em relação ao estudo e divulgação dos novos conceitos sobre a sexualidade humana se estende ao estudo do amor.
Na verdade, além dos preconceitos e das implicações sociais do tema,
existem também grandes dificuldades para a compreensão do fenômeno, pois
seu estudo não pode ter nenhuma objetividade devido ao envolvimento
subjetivo dos estudiosos. É difícil, por exemplo, saber se o amor é um
sentimento próprio da natureza humana ou se decorre da forma particular
de organização familiar e criação dos descendentes.
A própria conceituação do amor é quase impossível: forte sentimento de bem-estar que decorre da companhia de um outro ser humano, independentemente das razões e condições de estarem juntos. De todo modo, é possível que o amor, como nós o conhecemos e sentimos, decorra de alguns aspectos próprios da biologia humana: o prolongado período de dependência da criança em relação aos adultos (vários anos) é um elemento único e sem paralelo na evolução de outros animais. É provável que este sentimento se crie e decorra deste fato, porém a forma particular que ele assume pode depender do modo como cada determinada sociedade estabelece as regras dessa longa dependência.
A própria conceituação do amor é quase impossível: forte sentimento de bem-estar que decorre da companhia de um outro ser humano, independentemente das razões e condições de estarem juntos. De todo modo, é possível que o amor, como nós o conhecemos e sentimos, decorra de alguns aspectos próprios da biologia humana: o prolongado período de dependência da criança em relação aos adultos (vários anos) é um elemento único e sem paralelo na evolução de outros animais. É provável que este sentimento se crie e decorra deste fato, porém a forma particular que ele assume pode depender do modo como cada determinada sociedade estabelece as regras dessa longa dependência.
Assim, entre nós, até há pouca tempo, o vínculo mãe-filho seguia
determinadas características peculiares. Havia uma grande exaltação do papel da mãe,
que deveria ser a mais zelosa, a mais onipresente e sacrificada
possível. As mulheres se orgulhavam de não delegar a ninguém nenhum dos
cuidados necessários ao sadio crescimento dos seus filhos; as que eram
menos cuidadosas e tinham atividades próprias eram malvistas e
malfaladas. Estavam sempre a exigir dos seus filhos, os comportamentos
sociais esperados, sendo a figura responsável pelas atividades
escolares, pelos hábitos de higiene, sempre muito preocupada com a saúde
da sua prole.
Em
retribuição a tal sacrifício da própria individualidade, esperavam a
gratidão e a obediência dos filhos como uma decorrência natural da
situação.
Era, portanto, um dar de si mesmo exagerado, que não podia ter nenhuma
gratuidade, pois esperavam dos filhos toda a forma de recompensa. Estes,
para terem certos comportamentos espontâneos, teriam que magoar suas
dedicadíssimas mães, o que evidentemente criava fortes sentimentos de
culpa. Assim, aprendemos todos a associar ao amor uma forte carga de
dominação e inúmeras exigências; e,
principalmente, aprendemos que o amor dá direito à dominação. E mais,
que o direito à liberdade deve se confundir com o desprezo
(desamor). Parece-me importante realçar mais uma vez que é a excessiva
(e provavelmente desnecessária) "dedicação" materna a condição que
autoriza a mulher a exigir comportamentos e desempenhos dos seus filhos e
que, portanto, a excessiva dedicação e devoção é um instrumento de dominação.
Em formas em geral mais atenuadas, a relação dos pais e filhos é do
mesmo teor. As relações entre necessidades de dominação, insegurança e
sentimentos de inferioridade e a relação entre excesso de zelo e
dificuldades da mulher de lidar com a responsabilidade, serão discutidas
mais adiante.
A partir dos treze - quinze anos de idade se iniciam as tentativas de
vida social em turmas mistas (de meninos e meninas), apesar de que as
relações mais íntimas continuam sendo entre membros do mesmo sexo. Já
existem desejos sexuais e mesmo necessidade de ligações afetivas mais
íntimas. Porém, existem temores de que estas ligações se concretizem,
sendo difícil saber se estes temores são só relacionados à sexualidade,
ou se há também o medo de estabelecimentos de relações de dependência
afetiva. Em geral, existem fortes envolvimentos afetivos por alguém do
grupo, desde que estes sentimentos não sejam correspondidos. Assim, uma
menina gosta de um determinado rapaz enquanto ele não se interessa por
ela; se ele vier a gostar, ela se desinteressa imediatamente. Os
sentimentos são vividos exclusivamente na fantasia, às vezes
compartilhados por alguma amiga mais íntima. Nesta idade, meninos e
meninas passam horas a fio trancados em seus quartos (o que costuma
irritar terrivelmente seus pais) ouvindo música e imaginando a situação
afetiva (mais do que sexual) de uma maneira bastante intensa. Por anos,
esta situação pode ser satisfatória: vivência grupal, fantasias sexuais e
afetivas não concretizadas, fortes inibições especialmente em relação
às figuras que mais lhes interessam. Talvez por medo de rejeição,
mostram grande desinteresse justamente pelas pessoas significativas que,
também inseguras, interpretam este desinteresse como real, e fica tudo
por isso mesmo.
No momento seguinte, costumam haver as primeiras vivências concretas, e
o comum é que elas não sejam caracterizadas por forte envolvimento
emocional. São "namoros" que duram às vezes poucos dias ou mesmo horas, o
que reflete ainda a existência de grande temor à intimidade real física
ou emocional. Porém, a isto se segue uma primeira relação afetiva mais
intensa e prolongada, que pode mesmo levar ou não ao casamento. A
descrição seguirá esta direção, a do casamento, o que não quer dizer que
o primeiro amor deva sempre ter este destino. Mesmo hoje, as primeiras
manifestações mais íntimas de encontro físico vêm imediatamente
associadas aos primeiros indícios de dominação, em geral desencadeados
pelo rapaz: como prova de amor, costuma pedir para a moça fazer algumas
mudanças na sua aparência — cortar os cabelos, parar de pintar as unhas,
não usar determinadas roupas etc. Tais pedidos são extremamente
bem-vindos, porque ela os interpreta como manifestação de interesse e
afeto. Eventualmente se trocam pulseiras com seus nomes gravados. E tudo
isto é sentido com grande alegria e como cabais provas de amor.
Penso não serem necessárias grandes sutilezas de interpretação para se
perceber que o inicio de uma relação amorosa em nosso meio é uma
flagrante manifestação de dominação (recíproca, apesar de mais
masculina), onde ambos se sentem felizes por reencontrar entre os seus
semelhantes os substitutos dos respectivos pais. O
curioso é ressaltar que o esquema de dominação está fortemente
relacionado com a intimidade sexual. Entre amigos, mesmo bem íntimos, e
onde portanto a ligação afetiva é de forte intensidade e significado, as
manifestações de posse quase não existem. Elas se introduzem só se
houver manifestação sexual. Outra característica da dominação que
aparece desde o início (aliás, já está indiretamente manifesta nas
exigências descritas) é o ciúme, ou seja, o "legítimo" direito de
controle de todos os passos do ser amado, direito este adquirido pelo
fato de amar e temer a perda. Ao que parece, ainda hoje, o ciúme é mais
que um direito: uma obrigação. "Quem não tem ciúme não ama" é uma
expressão que tenho ouvido com bastante freqüência; é algo muito similar
ao fato de que a mãe que ama os seus filhos deverá correr o dia inteiro
atrás deles com ordens e exigências: "mie que não cuida não ama".
Tanto o rapaz como a moça se encontram, antes da ligação se
estabelecer, em estado de intensos sentimentos de inferioridade e
insegurança. Cada um deles acaba de passar por todo o processo, já
descrito, de socialização, que envolve fundamentalmente complexos
sentimentos de culpa ligados às respectivas sexualidades. Na moça, o
sentimento de inferioridade decorre de possuir uma sexualidade, quase
sempre sentida como mais intensa e diferente das outras, isto mesmo por
falta de se conversar sobre o assunto, além de estar quase, sempre muito
relacionado com experiências anteriores de caráter homossexual ou
masturbatório. No rapaz, as inseguranças ligadas à sua competência como
"macho" se somam ao também presente (se bem que em menor escala)
sentimento de culpa ligado à existência da sexualidade, tal como ele a
sente, e à masturbação. O fato de, para cada um, ser aceito e amado pelo outro modifica bastante esta situação; dá-lhe validade como ser humano.
Em outras palavras, o envolvimento amoroso com uma pessoa valorizada é o
"remédio" para o sentimento de inferioridade. Este novo estado modifica
até mesmo a expressão facial das pessoas, tornando-as mais alegres e
desinibidas e por isso mesmo mais interessantes, além de mais corajosas
para olhar e conversar com outras pessoas que as cercam. Isto explica um
fenômeno habitual: a existência de uma namorada parece que faz tanto
bem ao rapaz (idem para a moça) que surgem várias outras moças que
passam a se interessar por ele.
É evidente que o amor é um "remédio" perigoso para o sentimento de
inferioridade: na verdade, trata-se de uma medicação sintomática, isto
é, não cura e sim alivia os sintomas na presença do medicamento (objeto
amado). Assim, se cria forte dependência um do outro, com enorme medo de
perda ou separação, o que é o grande fator de perpetuação dos ciúmes. Parece-me
claro também que a eficiência do amor como remédio está ligada à
aceitação recíproca das sexualidades um do outro: o encontro de alguém
valorizado, capaz de aceitar e mesmo gostar da sexualidade sentida como
imprópria. Assim, as relações de amizade não são capazes de ter este efeito terapêutico.
As intimidades físicas costumam ser progressivamente maiores, no
decurso de meses (antigamente anos) de namoro. Em geral elas envolvem
todos os tipos de carinho e contato, à exceção da penetração vaginal que
se dá ou no dia do casamento ou pouco tempo antes. E evidente que hoje
existem já algumas modificações nestes procedimentos, mas, segundo sei,
ainda a grande maioria dos jovens procede como o descrito. Estas
relações sexuais são proibidas, e em geral a figura repressora principal
é o pai da moça. Cria-se assim uma certa cumplicidade entre o rapaz e a
moça "contra" os repressores. Neste período as normas de proibição são
sentidas como se estivessem fora deles (projeção do código moral sobre
as figuras externas que são de fato repressoras); isto costuma
aproximá-los mais ainda e em geral determinar uma intimidade sexual
bastante satisfatória. Além do mais, como a estimulação da moça é
basicamente clitoridiana, esta sente o prazer orgástico com relativa
facilidade. Com freqüência podem existir os primeiros sinais do temor
masculino por esta situação, tais como achar a moça bastante sexuada e
achar que não vai ser capaz de satisfazê-la totalmente. Isto,
evidentemente agrava o ciúme, que pode ser o responsável pelos atritos
mais violentos neste período. Ao perceber isto, a moça tende a se tornar
mais reservada sexualmente, com a finalidade de reduzir a ansiedade do
rapaz; é bastante visível neste processo a inversão do inicial, isto é, a
necessidade de inibir a manifestação sexual para preservar a ligação
amorosa. É mais ou menos nestas condições que a maioria dos jovens
se aproxima do momento do casamento; ambos com fortes sentimentos de
inferioridade, especialmente relacionados com a sexualidade, compensados
pela existência de um para o outro como figuras amadas e valorizadas;
ambivalentes quanto à sexualidade manifesta entre eles, isto é, com
necessidade de manifestá-la tanto por razões instintivas como para
aumentar a intimidade e a cumplicidade entre eles e também com certos
crescentes recatos e pudores de não manifestá-la demais, o que assusta e
estimula a insegurança do casal. Desde logo fica mais ou menos visível
que a plena manifestação do desejo sexual é uma ameaça à estabilidade da
relação afetiva, aumentando desmesuradamente os ciúmes. Ambos sabem das
dificuldades que a vida conjugal criará para cada um deles,
especialmente em termos de aumento das responsabilidades. O homem
verbaliza mais estes temores e, depois, é ele quem é capaz de lidar
melhor com a nova condição. No que diz respeito às obrigações, ,ele
tende a assumi-las com mais "resignação"; porém, apesar de tudo, ambos
partem para esta experiência nova com um otimismo e uma esperança que a
análise do que se passa ao redor não lhes ocorrerá — "o nosso casamento
vai ser diferente dos outros", "o nosso vai dar certo", confidenciam.
No ato mesmo do casamento se dá uma passagem de significativa
importância. Na nossa cultura, a moça é tida como um ser frágil e
ingênuo, necessitando sempre da proteção de uma figura masculina, que a
defenda dos homens caçadores e desejosos de se aproveitar sexualmente
dela. Este papel é transferido, neste momento, do pai ao marido, até
então, de alguma forma, no papel de caçador. É evidente que esta
transição é gradual e o ato do casamento é só a oficialização legal da
passagem do poder. Uma história curiosa desta passagem é a de um casal
que conheci há certo tempo: a moça tinha um pai extremamente autoritário
e dominador; o noivo era um tipo dócil e meigo, bastante tolerante e
compreensivo (o oposto da figura paterna). Mantinham relações sexuais
anteriores ao casamento, com grande freqüência e totalmente
satisfatórias para ambos. A partir do dia do casamento, não só o rapaz
assumiu pela primeira vez uma atitude bastante mais enérgica e exigente,
como a moça perdeu totalmente o interesse sexual por ele, agora
investido no papel de autoridade repressora. Algum tempo depois, numa
situação de exceção que não importa aqui discutir, ambos tiveram que se
refugiar por algum tempo de um inimigo em comum; neste período, as
relações sexuais voltaram a ser exatamente o que eram antes do
casamento.
Também da mulher se espera uma mudança ,de comportamento, após o
casamento, no sentido de assumir atitudes similares à da mãe do moço.
Assim, ela deverá cuidar das suas roupas, tornar-se atenta sobre se está
bem agasalhado, se sua alimentação é própria etc. É evidente que todos
estes cuidados são entendidos como provas de amor e dedicação, sem que
ambos se apercebam do que está realmente ocorrendo, que é a repetição
total das condições das quais muitas vezes pretendem fugir através do
casamento. E é neste contexto que ocorrem também as primeiras relações
sexuais com penetração vaginal. Como já falamos, existe uma justificação
tanto da parte da mulher, que esperava neste tipo de relação um prazer
sexual mais intenso, como do homem, que se sente responsável pela
incapacidade da sua esposa de atingir o orgasmo vaginal. Neste período
em geral se interrompe qualquer outra prática sexual que não seja a
vaginal, de tal forma que as relações, para a mulher, se tornam
insatisfatórias; movida por uma sensação de incompetência, a mulher
progressivamente vai se desinteressando das relações sexuais, que vão
paulatinamente se escasseando. Quanto mais autoritária a atitude do
marido, maior a probabilidade de que as coisas assim aconteçam; o
desinteresse sexual da mulher é sentido pelo homem como altamente
agressivo e, penso que em parte este elemento agressivo exista mesmo, e
como revolta feminina contra esta tendência agressiva. É evidente que
neste contexto não se pode sequer cogitar da possibilidade da mulher
"aprender" a reagir com orgasmo na relação vaginal, pois isto seria
sentido como mais uma forma de submissão às exigências do marido. Apesar
de agressivo, este desinteresse sexual da mulher também agrada ao
homem, que se sentia bastante ameaçado pela intensidade do desejo sexual
de sua mulher. Em geral, na medida em que o desejo e as relações
sexuais diminuem, diminui também a intensidade dos ciúmes, de ambas as
partes. Este fato, aparentemente paradoxal, é bastante compreensível,
pois quanto menor for o desejo sexual, menor será o esforço necessário
para seu controle, e, portanto, mais fácil será para ambos se manterem
fiéis. Assim, ao que tudo indica, para que o marido e a mulher se sintam
razoavelmente seguros do amor e da fidelidade um do outro é necessário
haver uma grande diminuição na intensidade do desejo e na freqüência das
relações sexuais. Estas são rapidamente colocadas num papel de muito
pouca importância dentro da complexa relação conjugal e as poucas
relações sexuais que existem (só satisfatórias para os homens, em geral)
se dão quando o casal se deita para dormir; isto é, manter relações
sexuais não é um programa, é apenas a última função do dia, ambos já
mortos de cansaço e sono.
Em síntese, poucos meses após o casamento, a relação conjugal será
posta mais ou menos da seguinte forma: a mulher praticamente
desinteressada da vida sexual, sentindo pouco desejo e certa excitação
durante as relações sem contudo atingir o orgasmo vaginal; nas áreas
práticas da vida, quase que totalmente dominada pela figura em geral
mais competente do marido, responsável pela gestão dos negócios do
casal; restringida na sua individualidade e com pouca liberdade até
mesmo de locomoção em virtude da atitude possessiva e ciumenta do marido
(que ela interpreta como prova de amor, o que de fato o é), tudo isto
gerando certa hostilidade contra ele, manifestada principalmente pela
recusa sexual. O homem interessado sexualmente na sua mulher, porém
rejeitado por ela, o que o faz sentir ao mesmo tempo agredido e seguro
da fidelidade dela; fundamentalmente interessado nas coisas do trabalho e
do sucesso profissional e econômico e por isso mesmo bastante tolerante
em relação aos problemas óbvios da vida doméstica. Apesar disto, os
casais por vários anos se sentem razoavelmente felizes e o sentimento de
bem-estar decorrente de se amarem prevalece sobre todos estes aspectos
bastante frustradores.
Dependendo do caso, o jovem casal pode ser bastante perturbado pela
presença inconveniente e intrometida de seus pais e/ou sogros. Em geral,
os que mais se manifestam, sob a forma de exigências de toda ordem
(desde as afetivas óbvias, até absurdos pedidos de favores, como se os
jovens lhes estivessem em dívida), são os pais que têm maiores
possibilidades materiais, que agem de forma bastante agressiva. Aquele
que foi agredido pelo pai ou mãe do cônjuge sente que este deveria tomar
o seu partido contra os pais, coisa em geral bastante difícil de ser
feita por um filho; cria-se um sentimento de traição naquele que foi
agredido, que retruca de forma idêntica, falando agressivamente dos
sogros a sós para o cônjuge, que se sente na obrigação de defender os
pais. Além dos ciúmes e dos fortes atritos às vezes decorrentes das
dificuldades banais da coabitação (em geral matinais, como, por exemplo,
modo de cada um apertar a pasta de dentes, a ausência de um botão na
camisa, problemas de horário discrepantes etc.), este quadro acima
descrito é uma das mais freqüentes causas de brigas conjugais durante os
primeiros anos de convivência. A atitude de certos pais em relação a
seus filhos e noras, logo após o casamento, é de total ordem
provocativa, que não me parece de forma alguma "sem maldade"; parece uma
contribuição intencional à desarmonia do jovem casal, movida tanto por
ciúmes do filho quanto por inveja de sua aparente felicidade.
Quanto à convivência social, esta tende a ser desde logo a mais
restrita possível, confinada a um pequeno número de parentes e alguns
casais amigos de extrema confiança cuja convivência em geral não é
satisfatória para todos. Outra vez o grande responsável por este
retraimento social, além de fatores externos ligados à dificuldade de
comunicação e encontro das grandes cidades, do alto ritmo de trabalho
que em geral os homens têm que enfrentar neste período das dificuldades
quanto ao cuidado de filhos etc., é o ciúme. E isto tem aparecido de
forma mais intensa de alguns anos para cá, na medida em que os homens
sentem não poder confiar muito, mesmo nos seus amigos íntimos. Enfim,
toleram-se todas estas restrições porque elas são do interesse
recíproco, cuja finalidade essencial é a preservação, sem ameaças, da
vida conjugal. É claro que tudo isto reflete a insegurança de ambos e
também a enorme dependência de um em relação ao outro.
Em uma pequena porcentagem de casos, a mulher é capaz de desenvolver o
orgasmo vaginal e a vida sexual fica preservada. A característica mais
evidente destes casais é a incontrolável manifestação de ciúmes de ambas
as partes, mas em particular do homem, às vezes provocando uma retração
social quase total, pelo menos numa primeira fase do casamento. Em
outro pequeno grupo, o problema de inadequação sexual aparece no homem,
quer sob a forma de ejaculação prematura, quer sob a de impotência
secundária; nestes casos, existe uma tendência à rápida procura de ajuda
médica, uma vez que os homens se alarmam com suas dificuldades sexuais
muito mais do que as mulheres.
Um evento muito importante que acompanha os primeiros anos de vida
conjugal, que como já vimos são bastante monótonos e apesar disso
razoavelmente satisfatórios do ponto de vista afetivo, são as gestações e
o nascimento dos filhos. Até há muito pouco tempo atrás, as mulheres
costumavam engravidar logo após o casamento; nem mesmo se cogitava da
possibilidade de se esperar algum tempo para poderem viver a vida
conjugal mais livremente (é claro que neste aspecto as coisas estão
bastante modificadas hoje em dia, pois tenho mesmo conhecido vários
casais que resolveram não ter filhos). Apesar de esperada, a gravidez
inicialmente desperta mais um sentimento de agressividade contra o
marido, acusado como o responsável pelo acontecimento. Evidentemente as
mulheres desejam a gravidez e o filho, porém temem tanto a deformação
física como a dor do parto. Algumas têm vergonha do seu estado, às vezes
sentido como manifestação visível do pecado sexual cometido (aliás, em
moças solteiras que mantêm relações vaginais, o sentimento de culpa se
manifesta com freqüência sob a forma de medo de gravidez).
Após esta fase inicial (que corresponde em geral ao primeiro trimestre
da gravidez), cheia de sintomas físicos de toda sorte, especialmente
náusea matinal, cansaço e muito sono, a mulher aceita perfeitamente o
seu estado e experimenta uma fase de muito bem-estar emocional
(evidentemente, há exceções) e plenitude: ela está cumprindo a sua
função e se sente orgulhosa disto. O casal vive em geral um bom período
de harmonia, onde a vida sexual adquire uma importância menor ainda. Às
vezes as mulheres, em virtude da deformação física, se tornam
excessivamente ciumentas, mas os homens aceitam isto como mais uma
manifestação do amor que os une.
O nascimento do primeiro filho representa uma variação qualitativa
importante no equilíbrio das emoções do casal. A dinâmica de uma relação
a dois tem que incorporar um novo elemento, amado, porém que compete
pelas atenções e cuidados. O problema não aparece logo no nascimento,
pois as primeiras semanas são terrivelmente extenuantes para o casal:
noites mal dormidas, enormes preocupações quanto à saúde e pequenos
detalhes normais dos recém-nascidos que assustam bastante os adultos
inexperientes. Porém, logo após a superação destas dificuldades
iniciais, os homens costumam se sentir abandonados por suas esposas,
agora investidas em seu novo papel de mãe, que tende a assumir uma
importância crescente e em geral maior do que o anterior; isto gera
neles uma tendência à retração dos seus interesses e afetos em relação à
esposa, que, por isso mesmo, assume cada vez mais suas novas funções
com quase exclusividade. Talvez seja mais importante do que se pensa a
mudança no vínculo afetivo do casal com o nascimento dos filhos e,
principalmente, na medida em que as crianças têm já alguns anos de
idade. O medo das mudanças da relação conjugal, especialmente em
mulheres bastante possessivas, costuma ser um fator importante nas
dificuldades de engravidar de origem psicológica, juntamente com outro
aspecto que é também freqüente e corresponde à tendência de certas
mulheres em assumir, no casamento, o papel de filhas de seus maridos;
neste caso, ter um filho significa gerar um rival.
No passado, à medida em que os casais tinham vários filhos e as mães se
obrigavam a cuidar intensa e pessoalmente deles, as funções de mãe
terminavam praticamente depois dos quarenta anos de idade da mulher.
Mesmo que já há vários anos elas viessem sentindo grande insatisfação
pela sua condição, o trabalho era tão estafante e intenso que nada
podiam fazer. Concomitantemente, os homens eram obrigados a uma intensa
atividade de trabalho para poder fazer face às crescentes despesas
domésticas e à crescente necessidade de coisas materiais. A vida sexual
do homem se dirigia fundamentalmente para outras mulheres, em geral
pouco valorizadas (prostitutas, funcionárias de condição inferior à sua
etc.), e o vínculo afetivo com a esposa nesta altura era mais do tipo
admiração pelos adequados dotes ,morais e maternais, em boa parte
preservado e em parte difusamente distribuído em relação aos filhos. E
neste clima as coisas seguiam indefinidamente até a velhice. Esta forma
de vida conjugal ainda é hoje a habitual para pessoas de mais de
quarenta - cinqüenta anos de idade, e tem sido assim desde que a família
nuclear (pai, mãe e filhos) substituiu o modo anterior de vida, que
correspondia a agrupamentos familiares mais amplos (clã). Nunca foi
muito satisfatória (havia, é claro, exceções), mas também não foi
questionada senão há bem pouco tempo.
Fica óbvio que a posição mais infeliz e oprimida era a da mulher.
Vários fatores contribuíram para que a crescente insatisfação feminina
ligada a este modo tradicional de vida conjugal pudesse se manifestar.
Com o advento de adequados recursos anticoncepcionais, a maioria dos
casais passou a ter dois ou três filhos; a mulher se viu com isto muito
menos desgastada fisicamente e mais ou menos aos trinta anos de idade,
ainda jovem e bonita, está praticamente desobrigada das funções maternas
mais áridas, pois em geral o filho menor do casal já está freqüentando
escolas maternais, pelo menos durante meio período. Além do mais, o
hábito da mulher cuidar pessoalmente dos filhos se escasseou. Um
interessante indício disto é o fato de a maioria das mulheres nem mesmo
amamentarem os seus filhos. Aliás, o advento de adequados leites
artificiais aumentou enormemente o número de mulheres com leite
insuficiente ou quase inexistente. E quase todas as funções foram
transferidas, evidentemente, em nosso país, no sentido de aumentarem a
liberdade das mulheres, tanto em relação aos filhos como em relação aos
demais afazeres domésticos. Os homens atingem hoje a plena realização
profissional, evidentemente transformada também em maior disponibilidade
financeira, mais precocemente do que no passado e isto quer dizer que
mais ou menos no mesmo período em que a mulher se desobriga de boa parte
de suas funções ele está em plena atividade de trabalho, e de sucesso.
Isto, além de criar uma grande insatisfação feminina ligada à sensação
de inutilidade, gera novos e significativos sentimentos agressivos
contra os maridos, sentimentos estes fortemente relacionados com a
inveja pelo seu sucesso profissional. No passado, a mulher não tinha
nenhuma pretensão ligada ao sucesso no mundo do trabalho e por isso
podia apenas admirar os bons resultados — bastante mais tardios, em
geral — do marido; hoje, além da admiração surge também a inveja. Outro
fator de desequilíbrio da relação conjugal, além do descrito, é que os
sentimentos de inferioridade do homem, mais do que os da mulher, têm
outra forma de se atenuar, além da ligação amorosa: o sucesso
profissional e financeiro. Abrandado o sentimento de inferioridade desta
forma, os homens podem se tornar menos atenciosos, menos exigentes e
até menos ciumentos em relação às esposas. Como já vimos, elas sentem
isto como diminuição da importância delas no sentido afetivo, ou seja,
como rejeição.
É, portanto, bastante confusa e insatisfatória a condição feminina por
volta dos ,30 anos de idade. Existem vários elementos significativos que
determinarão à conduta da mulher neste momento: há um sentimento de
vazio ligado à falta de função útil, pois está quase sem funções
domésticas; tentará, por isso, e também por causa do sentimento
agressivo-competitivo em relação ao marido, encontrar uma atividade
dentro do mercado de trabalho. Como já vimos, está despreparada para
isto, tanto emocionalmente como por falta de profissão definida, pois,
com exceções, as mulheres abandonam estudos ou outras atividades no
momento do casamento, ou mesmo antes. Em muitos casos tentará retomar os
estudos, o que tem sido uma tendência cada vez mais freqüente. Outro
fator importante, neste momento, é uma tendência crescente de procurar
resolver o estado de anestesia e desinteresse sexual que, como vimos,
caracterizou os primeiros anos da relação conjugal. A mulher hoje,
procura se informar a respeito, e não mais se conforma de um modo
resignado (como antes fazia, e de alguma forma os mais velhos ainda o
fazem) com a vida sexual insatisfatória e sem atrativos; com freqüência
procura ajuda médica por este motivo específico, atitude desusada até há
pouco tempo, pelo menos como iniciativa feminina. Além disso, existe
também o difícil conflito entre um anseio crescente de liberdade e
auto-afirmação, como ser autônomo e independente do marido, e o
sentimento de rejeição e desafeto que uma eventual atitude tolerante do
marido a este respeito pode determinar. Este, por reconhecer cada vez
com mais clareza o componente de inveja contra ele, chega mesmo a
estimular uma atividade própria da esposa — apesar dos ciúmes — desde
que não a sinta como ameaçadora de sua hegemonia, especialmente no setor
financeiro. Tudo isto deve ser somado ao fato de que os vários anos de
convivência e a superação, juntos, deste período difícil e trabalhoso da
vida desgastam às vezes gravemente o vínculo amoroso, também gerando
assim grande insatisfação.
Parece claro, portanto, que a procura feminina neste momento seja
bastante pouco objetiva: procura se sentir amada, procura uma libertação
sexual, procura liberdade e auto-suficiência econômica; não sabe dar um
peso adequado a cada uma destas necessidades, não-sabe qual delas mais a
fascina. Às vezes, procurando encontrar independência profissional ou
preparo intelectual, encontra uma nova ligação amorosa. Outras vezes, a
procura é de libertação sexual e o que ocorre é encontrar uma ligação
afetiva extremamente possessiva e ciumenta. De todo modo, o comum é que
seja este o resultado desta tentativa de auto-suficiência e liberdade.
Discutiremos melhor, no capítulo seguinte, o problema das tentativas de
transgressão dos padrões nos quais todos nós fomos formados, o
sentimento de culpa a elas associado e a tendência deste; acontecimentos
de se transformarem em simples reproduções (às vezes até mais intensas)
dos esquemas repressivos e autoritários contra os quais inicialmente se
deram. Em síntese, o que ocorre em geral neste período é um forte
envolvimento emocional do tipo amor-paixão, antecedendo a transgressão
do código moral ou logo posterior a esta, no que diz respeito à
fidelidade sexual no casamento. Nem sempre estes envolvimentos
emocionais chegam a se concretizar na realidade; isto porque o
sentimento de culpa pode ser tal que seja capaz de bloquear a ação
prática; nestes casos, o processo se assemelha aos envolvimentos
iniciais da adolescência, já descritos. Evidentemente o clima destas
relações sexuais, quando existem, é extremamente carregado de ansiedade e
sentimento de culpa, além de forte preocupação de desempenho, mesmo no
que diz respeito à mulher, que nas primeiras aproximações físicas no
período da adolescência não se sentia com obrigações desta ordem. É
evidente que não se trata do clima ideal, pelo menos no início deste
tipo de relacionamento, para um perfeito ajuste sexual (apesar de que
isto às vezes ocorre); o fato importante é que estas relações assumem um
caráter tão complexo que o aspecto sexual volta a ser bastante
secundário, o que frequentemente representa, de um modo nítido, a
negação da motivação inicial, que é a tentativa de libertação sexual.
Um aspecto curioso, que tenho observado com certa freqüência, diz
respeito à escolha do companheiro para o estabelecimento deste novo
vínculo amoroso. Mulheres casadas com homens bem sucedidos e que em
geral tendem a assumir um papel protetor em relação às suas esposas
(atitude esta que tem óbvias intenções de dominação e estímulo à
incompetência delas) costumam estabelecer relações amorosas
extraconjugais tais que haja uma inversão destes papéis. Isto é, elas
assumem este papel protetor se unindo a homens em geral mais jovens do
que elas, bastante mais disponíveis (no que diz respeito a terem tempo
livre para dedicar à relação amorosa), e em geral mal sucedidos
profissional e, principalmente, financeiramente. Isto denota,
provavelmente, que as mulheres excessivamente protegidas se sentem numa
condição humilhante, e tendem a sair deste estado passivo-receptivo
através de um vínculo amoroso em que elas se sentem úteis e protetoras.
Na maioria das vezes elas não têm consciência de que estão simplesmente
repetindo, na nova relação, o papel dos seus maridos.
Em
geral, estas experiências amorosas são muito mal sucedidas e terminam
com separações, às vezes traumatizantes. Quando adequadamente
compreendidas (o que é raro, pois tudo o que estamos descrevendo são
fenômenos bastante recentes entre nós — talvez existam com razoável
freqüência só de oito - dez anos para cá — de modo que pouco se sabe a
respeito, e pouco se conversa com amigos sobre assuntos desta ordem),
não impedem o processo de desenvolvimento da individualidade e
auto-suficiência, através de uma atividade social produtiva. Quanto à
sexualidade, raramente estas experiências amorosas têm efeito
libertador. Até pelo contrário, podem retardar o processo que a meu ver
tem que ser gradual e lento, pois senão os crescentes sentimentos de
culpa agem de um modo inibidor. Quanto às contradições entre os desejos
de liberdade e a sensação de rejeição a ela associados, penso que as
pessoas envolvidas em experiências desta natureza saem bastante mais
conscientes da existência deste conflito; isto é, apesar da lembrança
triste da perda de um vínculo gratificante do ponto de vista afetivo, há
uma sensação de intenso alívio no que diz respeito à enorme
possessividade e desejo recíproco de dominação que estes vínculos
determinam. Em
outras palavras, apesar de tudo há uma tendência a se valorizar mais
ainda a liberdade individual, totalmente perdida na relação amorosa.
Quanto aos homens, como já dissemos, sua situação dentro da vida
conjugal sempre foi mais amena, especialmente no que diz respeito à
liberdade, individual e em particular quanto à vida sexual, que era
rotineiramente fora da família, através de ligações afetivas de pequena
intensidade com variadas mulheres menos valorizadas, ou esporadicamente
com prostitutas. Nos casais mais jovens, tem havido uma tendência à
mudança de atitude dos maridos no sentido de se encontrar um equilíbrio
harmônico em relação aos crescentes anseios de igualdade das mulheres;
ou seja, há uma tendência a que os direitos, mais que as obrigações, se
tornem iguais. Assim, tem havido uma modificação no sentido de os homens
se manterem fiéis no que diz respeito à sexualidade como única forma
aceitável de procedimento para poder exigir igual conduta de suas
mulheres. Talvez em virtude das experiências sexuais pré-conjugais com
várias outras mulheres (apesar de na maioria das vezes terem sido só com
prostitutas), talvez em função do ritmo intenso de trabalho que a nossa
sociedade atual impõe (especialmente em termos de enormes
responsabilidades precocemente atribuídas), ou mesmo em função de que a
fidelidade sexual seja mais facilmente transgredida (a insatisfação
conjugal do homem é, em geral, menos intensa, e costuma assumir uma
proporção a ponto de criar outros envolvimentos emocionais de
significativa importância só alguns anos mais tarde do que nas mulheres —
por volta dos quarenta anos de idade. Assim, o comum hoje é que as primeiras manifestações e atitudes do desajuste na relação conjugal partam das mulheres;
se estas forem de uma conduta mais resignada e acomodada, a iniciativa
será do homem, em geral quatro a seis anos mais tarde (isto é, entre dez
e quinze após o casamento). Como já dissemos, um dos agravantes da
insatisfação masculina é a tendência de a mulher assumir mais o papel de
mãe do que de esposa, o que é sentido como rejeição e desafeto pelo
homem, além da frustração decorrente da inibição da sexualidade da
mulher, que é sentida como rejeição a ele, apesar disto ter sido
desejável alguns anos atrás. A forma de aparecimento do problema nos
homens é similar: forte envolvimento afetivo, também onde a sexualidade
assume uma importância secundária, com todas as características de
paixão.
Em
um bom número de casos, estes fortes envolvimentos extraconjugais,
apesar de serem mal sucedidos, são um evento suficiente para determinar a
definitiva ruptura da relação conjugal.
Isto tanto pelo desinteresse afetivo quanto pela incapacidade do
cônjuge (especialmente do marido) de absorver e suportar a experiência
de se sentir "traído". Do que tenho visto, cada vez mais existem casais
capazes de lidar com esta situação, através da análise e compreensão dos
erros cometidos por ambos e que foram o determinante do acontecimento,
manifestado em um dos membros do casal, mas que na realidade poderia ter
acontecido perfeitamente com o outro, uma vez que a insatisfação era
presente em ambos. Assim, tenho ouvido com freqüência frases do tipo:
"não tenho raiva dele por estar interessado em outra mulher; sou
perfeitamente capaz de compreendê-lo, até de ter pena por seu sofrimento
de estar dividido, pois muitas vezes tive vontade de fazer o mesmo, e
só não fiz porque não tive coragem" (e não raro o fará num momento
seguinte). Quando o problema é mais ou menos livremente discutido entre
os dois, penso que se cria uma nova forma de relacionamento, bastante
mais sincero e espontâneo, inclusive criando as possibilidades para se
tentar corrigir as várias inadequações que foram, em parte, responsáveis
pelo acontecimento. A discussão sincera das dificuldades de cada um,
além dos problemas envolvidos na forma particular como a vida conjugal
se estabeleceu e desenvolveu, especialmente no que diz respeito às
inadequações sexuais, cria condições ideais para se tentar um novo
ajuste mais satisfatório. Este ajuste adequado para as condições atuais
corresponde, em geral, a um equilíbrio mais ou menos harmonioso entre os
anseios de realização individual e liberdade, e as necessidades
afetivas e sexuais que deverão ser, o mais possível, desvinculadas de
esquemas de posse e ciúmes. Tudo
isto é possível num lento processo de aprendizado (com óbvias
regressões) que se dá através da plena e sincera comunicação entre
marido e mulher. Alguns detalhes a mais deste processo serão discutidos no capítulo relacionado com a terapia de casais.
Nem sempre o marido chega a saber da existência de um envolvimento de
sua mulher com outro homem (e vice-versa). As modificações nas atitudes e
hábitos dela são tão grandes que parece incrível que apenas ele não
seja capaz de perceber. O mais provável é que esteja em jogo um
mecanismo de negação, isto é, não quer perceber para não ter que
enfrentar uma situação extremamente dolorosa, e, de certo modo,
absolutamente não esperada. A mulher interpreta isto como mais uma prova
de desinteresse do marido, sempre só preocupado consigo mesmo e com o
seu trabalho, o que piora bastante a situação. Nestes casos, mesmo que a
experiência extraconjugal não se concretize e termine em rompimento
dramático, a insatisfação conjugal não chega a ser discutida, e mesmo
que ela o tente, o marido não dará às suas queixas o devido peso. A
partir daí, existem duas possibilidades mais comuns: ou a separação, ou a
tendência a uma atitude cínica e ressentida da mulher, que passa a ter
um comportamento sexual indiscriminado, interessando-se por vários
homens em curto prazo de tempo, mantendo o vínculo conjugal de uma
maneira oportunista, em virtude das comodidades (especialmente
materiais) que ele oferece. E evidente que a atitude em relação ao
marido é a mais agressiva possível. Este suporta a situação também por
interesses outros que os afetivos e se estabelece uma ligação formal,
cuja estabilidade vai depender de vários fatores, tais como interesses
econômicos em jogo, futuros envolvimentos afetivos de qualquer um dos
dois, preocupação quanto à educação dos filhos, preconceitos ligados à
idéia de separação etc.
Enfim, de tudo o que foi exposto, fica clara a existência de um estado
de crise ligada à vida conjugal e familiar, que envolve problemas de
natureza psicológica a meu ver fundamentalmente relacionados com a
tentativa feminina de assumir uma atitude igualitária, tanto no aspecto
das obrigações sociais como no dos direitos. A
tendência à igualdade entre marido e mulher na relação conjugal
desorganiza a clássica forma da vida familiar, criando insatisfações em
ambos. É
básica, nesta tendência, a preocupação de ambos com a plena realização
sexual, o que esbarra com várias dificuldades, desde os preconceitos
ligados à idéia do orgasmo vaginal até a insegurança e os ciúmes dos
homens no sentido de terem esposas sexualmente interessadas e
interessantes. Resta assinalar um importante fator ligado ao processo
tecnológico: são enormes as modificações no modo atual de vida em
comparação com o de poucas décadas atrás. A forma da organização
familiar tem que se adaptar às condições atuais: o progresso tem levado a
um crescente afastamento das pessoas que se amam, tanto geográfico (que
decorre das múltiplas facilidades e necessidades de locomoção para fins
profissionais) como através da oferta de variadas formas de lazer (a
televisão, por exemplo, é importante elemento de distanciamento entre as
pessoas do grupo familiar) nem sempre de interesse comum. Na medida em
que as mulheres realizam o seu desejo de participar ativamente do
processo de produção se cria mais um importante fator de afastamento. A
forma possessiva tradicional do amor não tem mais lugar neste contexto,
apesar de para todos nós a possessividade ainda continuar sendo sentida
como parte vital do amor; esta é talvez a contradição básica que terá de
ser resolvida o mais breve possível, a fim de se poder reencontrar um
equilíbrio harmônico na vida conjugal.
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